A batalha por Theo

19/04/2002 01:19

A disputa entre Giulia Gam e o jornalista Pedro Bial pela guarda do filho já se arrasta há um ano e três meses. Numa conversa franca, a atriz conta a sua versão do que aconteceu e fala sobre a dor, raiva e a paciência que é preciso ter enquanto se luta na justiça

Em janeiro de 2001, a vida da atriz Giulia Gam, 35 anos, virou de ponta-cabeça. Ao voltar de uma temporada de um ano em Nova York, para onde viajou após o fim do casamento com Pedro Bial, ela perdeu a guarda do filho para o jornalista. Desde então, disputa na Justiça com o ex-marido o direito de ficar com Theo, 4 anos recém-completados. O processo, que corre na 6ª Vara de Família do Rio de Janeiro, é sigiloso. Nos bastidores, comenta-se que Pedro obteve a guarda da criança porque Giulia não tinha autorização para passar um ano nos Estados Unidos com o filho. Em dezembro de 2000, o jornalista desembarcou em Nova York com uma liminar para trazer Theo de volta. Giulia também veio, mas o menino nunca retornou ao convívio diário com a atriz. Eles só ficam juntos nos finais de semana e em alguns dias predeterminados. “Esse processo pega o meu fígado. É meu filho, e dói ver sofrimento desnecessário. É muito duro ter paciência, clareza, dignidade, preservar a imagem do Bial e ainda cuidar da minha raiva”, desabafa.

A guerra na Justiça deixou em segundo plano a carreira de uma das mais talentosas atrizes brasileiras de sua geração. Giulia começou no teatro em São Paulo, aos 15 anos, trabalhando com o diretor Antunes Filho. Com pouco mais de 20 anos, atuou em novelas de sucesso da Globo, como Que Rei Sou Eu? e Mandala.

O casamento com Bial, em 1995, durou quatro anos e terminou em meio a mágoas de ambos os lados. Em Nova York, ela chegou a montar uma produtora, que pretendia realizar documentários sobre o Brasil. Os projetos estão suspensos. Giulia estabeleceu-se no Rio de Janeiro, fez uma participação na novela A Padroeira e atua na peça As Fenícias, de Eurípedes. Ela não perde a esperança de chegar a um acordo com o ex-marido e continua batalhando para reaver o filho.

 

CLAUDIA – Porque você perdeu a guarda do Theo?

Giulia Gam – Todo mundo quer saber o que aconteceu, se fiz alguma loucura, se cometi alguma coisa, se tomei drogas, se descuidei, se fui negligente. Eu não me enquadro em nenhuma dessas situações, tanto que, no final do ano passado, a juíza encarregada do caso chegou a me dar a guarda do Theo. Por mais que o casamento tenha acabado e eu tenha mudado de cidade, meu filho sempre foi preservado, e a maior prova é que se tornou uma criança sensível, inteligente e saudável.  Acho até que está conseguindo lidar bem com isso. Mas é claro que foi forçado a um amadurecimento e a uma tensão incompatíveis com a idade dele. Num processo, as duas partes trocam acusações. Cabe à Justiça investigar. Num primeiro momento, o juiz decidiu pelo pai porque o Theo já estava morando com o Bial. Depois foi estudando, levantando as provas, e resolveu inverter a situação. Aí o Pedro recorreu. A situação atualmente é a seguinte: por mais que tenham levantado questões sobre a minha estabilidade emocional, eu me coloquei à prova e fiz tudo o que me foi pedido pela Justiça em termos de laudos. Não há  nada que seja desabonador. Me mudei para o Rio de Janeiro para estar ao lado do meu filho. Aguardo duas respostas, uma sobre a guarda provisória, isto é, ficar com o Theo enquanto durar o processo, e outra sobre a guarda permanente.

 

CLAUDIA – Quando você foi para Nova York, no final de 1999, tinha autorização do Pedro para levar o Theo?

Giulia Gam – Claro que sim, era uma criança pequena e eu não poderia sair do país sem o aval do pai. Acho importante explicar o que significou Nova York pra mim. A separação foi muito difícil, e eu queria me distanciar do Rio de Janeiro, onde tinha vivido a minha história com o Pedro. Ir para Nova York era uma maneira de me afastar de coisas que estavam me machucando naquele momento. E eu queria ficar com o meu filho, o fruto daquela relação. O Pedro concordou que esse período poderia ser importante para o Theo. Também era um jeito de me poupar da exposição que haveria se tivesse ficado no Brasil. Em Nova York, comecei a estudar e vi que até era possível uma vida lá. Mas eu não podia tomar essa atitude passando por cima do pai.

 

CLAUDIA – Você falava com o Pedro por telefone?

Giulia Gam – Eu sempre ligava para dar notícias, para estabelecer um diálogo. Queria que o Theo não perdesse essa relação com o pai. Se o Theo pôde ficar com o pai hoje, sem rejeitá-lo, foi porque eu sempre mantive uma imagem positiva do pai para ele. A grande questão naquele momento era: a vida em Nova York estava se tornando possível e, para mim, soava como desinteresse o fato de o Pedro não querer ir lá. Fiquei muito na dúvida. Que família seria essa? Será que eu seria uma mãe solteira de certa maneira? Ou conseguiria estabelecer uma relação entre mim e o Pedro e seríamos os dois responsáveis pela criança? Era um impasse muito grande sobre o que valia a pena: cuidar da minha vida com meu filho ou, em nome da relação dele com o pai, voltar para o Brasil. Então o Pedro foi a Nova York buscar o Theo para passar férias com ele. Quando deveríamos regulamentar as visitas, ele entrou com um pedido de posse e guarda.

CLAUDIA – Você se colocou no lugar do Pedro e pensou que ele poderia estar com saudades, mas que teria que pegar um vôo internacional para ver o filho? Você avaliava que ele podia ter as razões dele?

Giulia Gam – O tempo todo me coloquei no lugar dele. Tanto que eu é que tentava ligar, mandar fax, tinha vontade de dividir. Não foi um movimento egoísta meu de tirar o filho do pai. Eu posso até, se um dia a gente conseguir conversar, entender por que ele não foi a Nova York. Mas, sinceramente, naquele momento eu não entendia.

 

CLAUDIA – Meses atrás, numa entrevista, você disse que não queria guerra com o Pedro Bial. Você continua pacifista?

Giulia Gam – Desde que cheguei ao Brasil, venho buscando um distanciamento emocional de tudo isso. O meu foco é o Theo. Eu sou a mãe, e ele tem uma grande necessidade de estar comigo agora.

 

CLAUDIA – Ele fala com você sobre o que acontece quando está com o pai?

Giulia Gam – Não, e eu também não fico especulando. Claro que seria mais agradável e natural se houvesse um diálogo com o pai. Quando está comigo, o Theo se censura, evita dizer coisas sobre o Pedro, talvez porque sinta que é um terreno minado.

 

CLAUDIA – Você se considera uma boa mãe?

Giulia Gam – Vejo contribuições minhas no Theo. Eu proporciono a ele vínculos de prazer, de criatividade, de alegria. Nunca menti. Se ele se interessa por algo, tento explicar. Procuro mostrar as coisas de maneira estimulante, lúdica. É como fui criada. Tento que ele tenha contato com a natureza, com as pessoas simples, procuro não estimular as brincadeiras tecnológicas ou as tendências consumistas. Conto histórias, faço passeios.

CLAUDIA – O Theo faz terapia?

Giulia Gam – Não. O problema está nos pais dele. Ainda não percebi nada muito grave no Theo. A criança tem mecanismos de defesa muito rápidos, cria um jeito de se proteger da dor. Só quando tivermos um convívio diário é que vou sentir realmente se ele precisa de terapia e qual a melhor linha.

 

CLAUDIA – A maioria das mulheres se queixa da indiferença dos ex-maridos em relação aos filhos. A sua situação é exatamente o contrário: o pai quer o filho tanto quanto você. Isso não tem um lado positivo para a criança?

Giulia Gam – Existem crianças que sofrem muita rejeição por parte da mãe ou do pai. Desse mal o Theo não vai sofrer. Pode ter outros traumas, mas pelo menos eu espero que ele se sinta muito amado pelo pai, como ele se sabe muito amado por mim. Fico muito feliz por ele ter um pai que o ama tanto. Isso é o que me faz ter paciência. Quando o Theo voltar pra mim, o Pedro terá visitação livre.

 

CLAUDIA – Alguma vez passou pela sua cabeça abrir mão da guarda em nome de preservar o Theo?

Giulia Gam – Só faria isso se estivesse convencida de que sou nociva a ele. Não é o caso e sei que o Theo deseja voltar pra mim.

 

CLAUDIA – Você se tornou um símbolo para as mulheres que se sentem injustiçadas. Esse novo papel é confortável?

Giulia Gam – Isso é incrível. A solidariedade é impressionante, é quase um laço tribal. As pessoas me param na rua, querem fazer abaixo-assinado... Percebi que, quando se fala em maternidade, as mulheres se unem. É natural que o filho esteja com a mãe. Mexer nisso é antinatural. Aos 30 anos eu estava casada, numa relação que eu achava que ia durar o resto da vida, super-respeitada profissionalmente, ajudando a produzir um filme... E de repente você é chamada de novo ao ser humano que é, e não à imagem que tem. Nessa hora não sou atriz, não tem nenhum deslumbramento. No começo, eu me assustava. Hoje estar exposta só me traz força.

Fonte: Revista Claudia

Arquivo Pessoal: Bia*

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