A doce megera das oito - Fera Ferida

07/11/1993 17:05

Giulia Gam dá novas cores ao seu personagem em "Fera ferida''

Paulista, 26 anos, rosto de heroína clássica. A próxima mocinha do horário nobre da Rede Globo tinha tudo para ser a boazinha romântica. Mas virou uma doce megera. Graças à insistência da atriz Giulia Gam e à flexibilidade dos autores Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn, a protagonista de "Fera ferida" não corre o risco de ficar chata.

Dá para contar nos dedos os papéis que Giulia já interpretou na TV. Mais chegada aos palcos, onde realiza sua vocação, Giulia faz agora sua grande estréia em uma novela das oito. Trabalhou nos 15 primeiros capítulos de "Mandala" fazendo a Jocasta jovem, fez par romântico com Edson Celulari na bem-sucedida "Que rei sou eu?", e atuou com Marcos Paulo (um dos diretores de "Fera ferida") na minissérie "O primo Basílio''. Mais recentemente, foi contemplada pelo diretor Guel Arraes com dois papéis cômicos nos especiais "O alienista" e "Lisbela e o prisioneiro". Vibrou com a possibilidade de explorar seu lado humorístico.

Ao aceitar o papel de Linda Inês -- filha do prefeito Demóstenes Maçaranduba (José Wilker) e par de Raimundo Flamel (Celulari) - Giulia joga com a sorte. Para quem está mais para teatro e cinema, a TV ainda assusta.

O GLOBO - Mexeram aqui e ali, até que o perfil da Linda Inês foi definido. Chegou onde você queria?

GIULIA GAM - Para a proposta de uma heroína, de uma mocinha bom-caráter, acho que está legal. O Aguinaldo (Silva) foi mais ousado do que imaginei que ele seria.

O GLOBO - Que mudanças foram feitas?

GIULIA - Depois de um flashback supermovimentado, o segundo capítulo começava muito explicativo. Toda vez que explica muito as pessoas se desestimulam. Foi assim com Mandala. ficou muito didática. E quando o público recua. você não recupera mais. Linda era menos interessante.

O GLOBO - Você chegou a recusar o papel...

GIULIA GAM - Precisava de algo que me estimulasse, queria mais ação e menos discurso. Agora ela mata a onça que anda atacando o seu rebanho, chuta as portas... Acabei de gravar essa cena e arrebentei com à porta do estúdio (risos). Ela invade o banheiro do Flamel (Edson Celulari) para discutir com ele, que está nu ... A mulher virou um monstro (risos).

O GLOBO - Ela ficou mais impulsiva...

GIULIA - Tem a ver com a ''Megera domada''. Mas preciso ter cuidado para ela não cair no outro lado e virar um machão. Ficaria tão limitado quanto a mocinha.

O GLOBO - A televisão não te fascina?

GIULIA - Há sempre uma certa resistência, mas quando me decido por um trabalho vou até as últimas conseqüências. Na minha primeira novela fiquei muito ansiosa, não tinha tempo de ensaiar. Era agonizante. Ia ficando um vazio dentro de mim . Agora acho que estou entendendo melhor uma novela. Você tem um texto diluído em um espaço de oito meses, em que tem de fazer o cotidiano de um personagem. Não pode querer buscar a densidade em cada frase. A cena sempre vai ser um rascunho.

O GLOBO - Você costumava comparar teatro e TV?

GIULIA - Antes buscava o afeto de equipe em uma novela. O teatro é uma agricultura, não tem nada de industrial. Você cria ligações muito fortes com as pessoas, é tudo muito caseiro. Na TV, o trabalho é solitário. isso me incomodava demais. Mas sou engraçada, conto piada no estúdio...

O GLOBO - Mas é desgastante...

GIULIA - O que é mais cansativo é a tua exposição para 150 milhões. Você sente fisicamente que está no ar. Os índios dizem que as fotos roubam um pedaço da alma. É um pouco isso. Parece que as tuas partículas vão se espalhando por aí.

O GLOBO - E a parceria com o Edson?

GIULIA - Edson é uma história antiga. Vem desde 86, quando fizemos "Fedra", com a Fernanda Montenegro. Foi meu primeiro universo com atores de TV. A gente tem uma fraternidade. Ele é um gentleman, muito interessado, super-aplicado. É gostoso sentir que as pessoas querem fazer. A coisa mais difícil em uma novela é quando é mais uma cena, mais um ''merchandising".

O GLOBO - Linda Inês carrega na crítica social?

GIULIA - Tenho medo desse lado de boa moça, de pregação. O país está tão caótico que qualquer discurso pode ficar piegas. A não ser quando o personagem é uma caricatura. Por isso é sempre mais interessante fazer o vilão. Mas aí já é preconceito meu, uma dificuldade minha de ter fé na frente de quatro grandes atores que farão os corruptos da história. Tenho de fazer a séria no meio de um bando de loucos. Linda briga para ter pessoas honestas com ela.

 

ESTILO PARA CRIAR MODA - Giulia diz que sua mãe, a psicóloga Daisy Gam, é uma referência forte para a composição de Linda Ines. Explosiva e determinada. ela herdou as terras do pai em Penápolis, perto de Araçatuba (São Paulo) e assumiu sua administração. Se em São Paulo a senhora Gam é uma dama que se veste com tailleurs, na fazenda tem até um revólver guardado na escrivaninha.

- Na minha infância era religioso ir para lá. Eu, minha mãe e minha avó somos muito ligadas. Se ficar bom, vai ser uma homenagem a ela diz Giulia, que todos os dias faz um aquecimento com uma rolha na boca para ajudar na articulação vocal. Técnicas de seu professor de voz.

A caracterização de Linda contará ainda com um visual country. Ela é despojada, usa calças tinturadas, jalecão de camurça, chapéu e botas americanas sujas de lama. Uma mistura de ''Crocodilo Dundee'' com ''Tomates verdes fritos''.

- Linda estudou fora, não é um bicho do mato. Ela faz o estilo ''Tom Boy'' (menina que se veste de menino), com blusas xadrez, camisas justas no corpo, suspensórios de couro... - conta Giulia. Linda é noiva de Guilherme Bentes (Rubens Caribé), filho do Major Bentes (Lima Duarte).

Como tem cabelos muito finos, ela geralmente usa perucas para fazer seus personagens. Mas desta vez usa um corte desfiado e uma maquiagem leve, só para tirar o brilho da pele. Os cabelos ganharam um tom escurecido.

A personagem também não se separa do cordão em formato de coração que contém as fotos de seus avos fictícios. Através dele, Flamel reconhecerá a namorada de infância. Linda vai criar moda.

Fonte: O Globo