A juventude de Romeu e Julieta

06/06/1984 23:13

História de amor e de rancor. Verso e reverso, essa a impressão que fica. Há, naturalmente, a candente execração dos interesses grupais e familiares impedindo a realização dos amantes. A defesa da propriedade e da família, e seu oposto libertário, vistos por um poeta maior bem antes de alguém escrever um estudo clássico sobre o assunto. No mais, especulações, especulações. Um artista de mil vozes e mil intuições é para isso mesmo.

A versão atual de Romeu e Julieta é romântica e jovial. Aposta decididamente, na força juvenil apresentada como jogo jurídico, carnaval veneziano, apesar das brutais interrupções.

A encenação despojadíssima ao excesso (uma escada comum tenta imitar o famoso balcão da casa de Julieta) celebra o lirismo dos namorados e a camaradagem quente entre amigos. O texto pede assim: meninos-homens e meninas-mulheres. Quase impossível: a tradição teatral e a densidade do texto exigem intérpretes amadurecidos, brilhantes, técnicos. Antunes teimou em fazer de novatos personagens célebres. Como resultado teve a perda de parte da poesia shakespeariana que clama por grandes vozes e grandes intensidades mas, em compensação, impôs a poesia da juventude. Impossível imaginar uma Julieta mais espontânea e linda que Giulia Gam, ou um Romeu-Pop mais arrojado do que Marco Antônio Pâmio.

Eles convencem por serem como são: floridos, frágeis, verdes. O teatro na linha de representação que busca as alturas de Shakespeare fica com Oswaldo Boaretto Jr, Marlene Fortuna, Salma Buzzar, Marcos Oliveira. Esses procuram a sonoridade literária que fez de Shakespeare um traço indelével na cultura ocidental (ou mais, basta lembrar Kurosawa).  Giulia-Marco Antônio, ao contrário, trazem o frescor da inexperiência totalmente a vontade (Giulia já com definição maior para o palco). Do encontro dos opostos sai a deficiência e a novidade do espetáculo. Na comparação, o resultado é positivo.

Romeu e Julieta tem estampada a coerência do encenador em busca de inovações. Somatória de coragem e desencontros. Fantasia – real – amorosa ao som universal dos Beatles. A morte é vencida na obra de William Antunes Filho.

Fonte: Folha de São Paulo