A louraça Giulia (O Primo Basílio)

03/08/1988 16:28

Depois de conquistar o público representando a combativa e idealista Jocasta, em apenas 15 capítulos de “Mandala”, Giulia Gam vestiu espartilho e incorporou o espírito de Luísa, seu personagem na minissérie “O Primo Basílio”, que estreia na próxima terça-feira, às 22h20m, na Rede Globo. Já em novembro, pouco depois de terminar sua participação em “Mandala”, ela preparava-se para trocar os jeans pelas saias e saltos do final do século XIX. Manteve os cabelos, castanhos de nascença, “superlouros” para a personagem do romance de Eça de Queiroz. Ainda no início dos ensaios no Teatro Villa-Lobos, sob a direção de Daniel Filho, ela falava da carreira, da vida e da dificuldade em trocar de personagens:

- Sofri muito com essa mudança brusca de passar de Jocasta para Luísa. Ela é uma mulher de gestos lentos, que foi educada para casar, cuidar do marido e estar permanentemente preocupada com o visual.

Nessa viagem através do tempo, Giulia teve aulas com a fonoaudióloga Glorinha Beutenmuller, para acertar o sotaque, e fez balé clássico com Nélia Lapport, que deu aulas de postura para os atores da minissérie. O resultado de tudo, segundo ela, foi um desenvolvimento pessoal:

- O Antunes Filho falava que o ator tem de  ter um banco aéreo de informações. O primeiro passo é ligar as antenas nesse canal. Chega uma hora que você fica impregnado por tudo que diz respeito ao personagem. Você passa a saber exatamente como ele agiria, como se sentiria, como pegaria um objeto. Você consegue absorver todo o universo do personagem.

Antes de ir para a TV, Giulia fez teatro durante três anos com o grupo de Antunes Filho, em São Paulo. Com ele viajou pela Europa com as peças “Macunaíma”, “Nelson 2 Rodrigues” e “Romeu e Julieta”.

- Quando o grupo de Antunes acabou, voltei a Europa – lembra ela. – Vivi um período angustiante. Pensava, o que fazer? Deveria chegar até os grupos estrangeiros, ir morar na Europa, investir aqui? Um dia, um dos atores do Peter Brook me disse: “Trabalha no seu país, tenta alguma coisa lá, tudo acontece por etapas. Depois...”. Resolvi voltar e trabalhar aqui. No Brasil ela teve oportunidade de contracenar com Fernanda Montenegro em “Fedra”:

- Com o Antunes conheci os grupos experimentais mais importantes da Europa – diz. – Depois, com a Fernanda Montenegro, conheci o lado nacional. Me apaixonei pelas histórias daqui, me interessei em saber sobre as dificuldades de ser artista no meu país. As vezes eu digo que o Antunes foi o meu pai e a Fernanda a minha mãe. Fui educada por eles.

Somente depois de fazer quatro filmes, entre eles “No País dos Tenentes”, é que Giulia Gam aceitou trabalhar na TV, em “Mandala”. Antes ela já havia sido sondada para atuar nas novelas “De quina pra lua”, “Sinhá Moça”, “Roda de Fogo” e “O Outro”, e na minissérie “O pagador de promessas”. Decidiu-se quando perdeu o medo e o preconceito:

- Tinha um certo receio de trabalhar numa grande emissora. E os meus mestres sempre me preveniram contra o veículo. Mas por mais trabalhos que se faça no teatro, a pessoa só “estoura” quando vai para a TV. Quando viajava com “Fedra” pelo interior do país, as pessoas diziam: “Gostei tanto do seu trabalho. Um dia você vai estar na novela das oito”.

O comentário acabou virando realidade. Giulia estourou logo nos primeiros capítulos de “Mandala”. E sentiu as diferenças do novo veículo:

- No teatro o processo é lento, artesanal. Embora tenha feito poucos trabalhos no cinema, deu pra sentir o quanto é técnico. Já na TV, tudo é muito rápido. Não existe tempo para a elaboração. E a televisão é muito poderosa. Num país pobre e grande como o Brasil, as pessoas tem acesso somente à TV. Ela é uma indústria e eu me sinto uma operária. Isso dá uma certa segurança ao ator, que passa a ter um salário. Tem uma hora que você tem que passar pela TV.

Aos 22 anos, a filha única do engenheiro José Carlos e da psicóloga Daise orgulha-se de ser Cavalo de Fogo no horóscopo chinês, “um signo que nasce de 60 em 60 anos”. E já começa a se acostumar com o sucesso:

- Deixei de ser conhecida pelos personagens que vivi e passei a ser uma pessoa pública. Giulia Gam já significa alguma coisa. Comercialmente o cachê já é outro, existe um outro marketing. Eu passei a ter um certo valor. Passei a dar entrevistas, a ser procurada. Não sei se isso é uma coisa efêmera. O legal de ser uma atriz conhecida é que mais pessoas têm acesso ao trabalho da gente.

 

Avant-première portuguesa

O Cônsul de Portugal, Jose Guilherme Stichini Vilela, abriu os salões da mansão da São Clemente, nesta segunda-feira, para a festa carioca de lançamento na TV Globo da minissérie “O Primo Basílio”. O clima foi o mesmo da semana passada em São Paulo, quando o produtor e diretor geral Daniel Filho apresentou a minissérie baseada no romance de Eça de Queiroz e adaptado para a Globo por Gilberto Braga e Leonor Basseres.

Quase todo o elenco estava lá: Marília Pêra foi com o marido Ricardo e a filha Nina; Daniel Filho, com a mulher Márcia Couto e a filha Carla Daniel; Marcos Paulo (o Basílio) estava com a Belisa Ribeiro; Tony Ramos, com sua Lidiane e também com um visual completamente diferente do traído Jorge que interpreta na minissérie.

- Mergulhamos de cabeça neste trabalho fascinante e, agora, esperamos que o público mergulhe também – disse.

Gilberto Braga voltou a garantir que, ao lado de “Anos Dourados”, este é seu melhor trabalho.

Marília, que a princípio relutou em aceitar a personagem, era outra que se dizia gratificada com o trabalho. Sobre Giulia Gam, com quem tem a maioria das cenas, comentou:

- Teria sido impossível toda essa intensidade entre nossas personagens se não houvesse um grande afeto entre nós.

E Giulia, para quem Marília sempre foi ídolo, agradecia a oportunidade de ter vivido cenas tão intensas com ela.

O Cônsul Stichini Vilela não soube destacar detalhes na minissérie.

- Está perfeita. Atores, fotografia, iluminação, a bela direção do Daniel, os cenários. Até mesmo em Portugal fará um grande sucesso, estou certo.

Daniel Filho teve o cuidado de apresentar um por um os responsáveis pelas equipes técnicas, do cenógrafo Mário Monteiro – que criou um pedaço de Lisboa em Guaratiba – à pesquisadora de arte Cristina Médice, responsável pelos perfeitos adereços, desde a toalha de linho bordada ao menor bibelô; e Glorinha Beutenmuller, que cuidou para que todos falassem nem mesmo tom, sem sotaque, à Nelly Laport, que ensinou a postura certa aos atores, por exemplo. Só depois apresentou o elenco. E, entre profusões de elogios, destacou a participação de Giulia Gam, que vivve a protagonista Luísa e teve participação em 90 por cento das cerca de 750 cenas que compõem os 16 capítulos da minissérie.

A plateia, de cerca de 200 pessoas, aplaudiu diversas vezes antes do final da exibição do primeiro capítulo e de cenas de mais de oito capítulos.

Fonte: Jornal O Globo