Atriz entra em horário nobre como megera domada

14/11/1993 23:04

Cria de Antunes Filho e estrela de Gerald Thomas no teatro, a heroína de recentes casos especiais retorna às novelas a partir de amanhã, como protagonista da nova trama das 8, de Aguinaldo Silva

Giulia Gam tem medo da popularidade que a TV traz e de ficar sem tempo para tocar seus projetos teatrais. Sempre cortejada pela Globo, já rejeitou vários papéis. Agora, depois de relutar e dar palpites na personagem, volta como Linda Inês, protagonista de Fera Ferida.

Telejornal – Você foi a protagonista de Que Rei Sou Eu? há cinco anos. Como se sente agora como heroína no horário nobre?

Giulia Gam – Assustada, mas entusiasmada. A referência que eu tinha de novela era Que Rei Sou Eu?, que foi aterrorizante. O ritmo era enlouquecedor, não conhecia as pessoas, não sabia como funcionava a máquina. O ritmo de Fera Ferida está puxado, mas estou mais sintonizada. O esquema de gravação é muito organizado.

Telejornal – Como você define sua nova personagem, a Linda Inês?

Giulia – Ela é filha do prefeito Demóstenes (José Wilker), um supercorrupto. Linda é uma das poucas pessoas que não vive da ilusão que impera em Tubiacanga: a corrida do ouro, corrupção etc. Ela fica à parte porque estudou fora.

Telejornal – Por que ela volta?

Giulia – Ela herdou umas terras da mãe. A mãe era de família tradicional, mais aristocrática. O pai veio do nada e se casou por interesse. Linda Inês vai dar continuidade ao sonho da mãe: construir uma fábrica para dar emprego à população. Cria um problema com o pai.

Telejornal – Por que você não aprovou Linda inicialmente?

Giulia – Não achei a mocinha interessante. Os outros tipos me pareceram muito mais ricos do que ela, mais engraçados. Vinha dos especiais com o Guel (Arraes), que apostou no meu lado cômico, me deu novos personagens. Conversei com o Denis Carvalho (o diretor) e fiz sugestões. O autor Aguinaldo Silva gostou.

Telejornal – O que mudou?

Giulia – A história da briga dela com o pai podia beirar a criancice. Pedi modificações, mais ação. O Aguinaldo então inventou uma história de uma onça que está comendo o rebanho de ovelhas da Linda. Ela pega uma espingarda e vai atrás da onça. Também palpitei no romance dela com o Flamel (Edson Celulari). Pedi que fizessem uma coisa meio Megera Domada. Quando ele sobrevoa a fazenda e mata uma de suas ovelhas, ela esperneia e depois tomba de amores.

Telejornal – Você toparia tirar a roupa?

Giulia – Até agora não há indício de que vá ter cena de nudez. A personagem não ganhou um enfoque mais sensual. Particularmente, não tenho interesse em ficar num programa que entra às 8 da noite. Agora a sensualidade eu acho bacana. Há uma cena em que a Linda Inês toma banho. Em outra, chega nervosa na casa do Flamel, chuta a porta do banheiro. Ele está tomando banho, fica envergonhadíssimo em conversar com ela naquela situação.

Telejornal – Histórias rurais têm a ver com você?

Giulia – Tem sim. A família de minha mãe era de fazendeiros do Interior paulista. Eles foram desbravadores. Lutaram com os índios e conquistaram um pedaço de terra. Sei andar a cavalo: passo a mão, pego, tiro o pé do estribo, prenso e galopo. Tudo é um prazer: a terra, o esterco. É uma espécie de resgate. Vou fazer um pouco a história da minha mãe. Ela era uma psicóloga que morava em Paris quando herdou uma fazenda. Há dez anos, cuida da fazenda. Sofreu um bocado dentro do universo masculino que impera no campo.

Telejornal – Dá pra conciliar oito meses de gravação com teatro?

Giulia – Não. Quando o Denis Carvalho me chamou para a novela, saiu uma verba do Banco do Brasil para a peça que eu, Bete Coelho e Daniela Thomas estávamos montando. Fui ao Rio ouvir a proposta da Globo sem compromisso. Disse ao Denis que estava envolvida com teatro. Ele propôs que eu gravasse só três vezes por semana. Achei arriscado. O Aguinaldo não queria que qualquer uma fizesse o papel e outras atrizes cogitadas estavam envolvidas em outros projetos. Passaram-se 15 dias e eles me ligaram. Só faltava essa personagem para fechar o elenco. Acabei aceitando e na última conversa com a Bete ela disse para darmos um tempo no projeto.

Telejornal – Qual é o projeto?

Giulia – É um peça do alemão Henrich Von Kleinst, com personagens femininos muito fortes. Mas é complicado me dedicar a ela. O ritmo de gravações é estressante. Outro desgaste é a popularidade que a TV traz.

Telejornal – A popularidade a assusta?

Giulia – Muito. A primeira vez que apareci na TV fiquei paranóica. Achava que alguém podia invocar comigo, me dar um soco, uma facada (risos). Fui uma vez para Ouro Preto, quando Que Rei Sou Eu? estava no ar. Num museu fui identificada por uma excursão escolar. Foi tanto assédio que tive de ir embora da cidade. Isso me assustou muito e por isso fiquei muito tempo afastada das novelas. Queria respirar liberdade, ir para Salvador e dançar na Praça Castro Alves.

Telejornal – Nesse período, pintou convite para a TV?

Giulia – Tenho uma excelente relação com a Globo. Nunca quis ser contratada e isso me permitiu um diálogo melhor e liberdade maior na escolha. Sempre recebi convites. Me ofereceram a Thaís de O Dono do Mundo, fui cogitada para o papel das gêmeas de Mulheres de Areia, a minissérie Contos de Verão, a novela Vamp. O Roberto Talma queria que eu fizesse a Paloma, de De Corpo e Alma.

Telejornal – Mas você foi para Portugal. O que foi fazer?

Giulia -  Era uma tentativa do Walter Avancini de implantar a dramaturgia na TV portuguesa. Fui para fazer uma minissérie de seis capítulos em três meses. Olha a diferença: aqui a gente grava um por dia. Não vi o resultado. Parece que a série nunca foi ao ar.

Telejornal – Do que se trata?

Giulia – Chama-se Procura-se. Eu fazia uma repórter. A princípio ela seria portuguesa, mas não me meti a besta em imitar o sotaque português. Fiz uma portuguesa que estava há muito tempo no Brasil e que se envolve com um cara que perdeu a memória.

Telejornal – A experiência foi boa?

Giulia – Foi interessante. Fiquei nove meses na Europa. Fui com o Gerald (o diretor de teatro Gerald Thomas). A gente se apresentou em Taormina e Zurique. Aí, fui para Portugal, ganhei dinheiro com a minissérie e fui para Berlim, Paris, Tunísia, Pompéia.

Telejornal – Que peça você apresentava com o Gerald Thomas na Europa?

Giulia – Foi quando a Bete Coelho deixou a Companhia e o Gerald me convidou para a turnê. Ele refez M.O.R.T.E., criou novos personagens. Eu era apenas uma atriz do grupo. O grande nome ali era o Gerald. Resgatei um pouco a época em que fiz teatro com o Antunes Filho.

Telejornal – Na Europa nasceu o romance com o Gerald?

Giulia – O romance? Não teve romance, não (risos). Ele estava apaixonadíssimo por uma atriz italiana.

Telejornal – Quando você começou a trabalhar com o Antunes?

Giulia – Aos 12 anos. Fiquei três anos com ele.

Telejornal – Por que saiu?

Giulia – Senti que os grupos tinham um tempo de vida. O Antunes não tinha interesse em preservar o grupo. Também havia aquela loucura dos ensaios: 18 horas, todos os dias. Eu pensei: “Puxa, tenho 15 anos, entrei aqui e comecei a viver com pessoas de 30 ou mais. Era uma coisa bem emocional. Precisei dar um tempo pra chupar pirulito, ir ao cinema etc.

Telejornal – Foi uma saída amigável?

Giulia – Foi. Eu pedi um tempo para ele e este tempo foi se estendendo. Aí eu fui viver a mocinha da Telesp. Tentar me aproximar de pessoas da minha geração.

Telejornal – Quantos anos você tem?

Giulia – 26.

Telejornal – Tem medo de ficar velha?

Giulia – Tenho. Morro de medo da idéia da morte. Sou curiosa. Tenho pique para viver dez vidas. Me interesso por tantas coisas. Então, tenho medo de ficar rancorosa porque não consegui ser isso ou aquilo. Já estou pensando se na minha velhice vou estar arrependida ou feliz.

Telejornal – E esteticamente?

Giulia – Envelhecer nesse sentido não dá medo. Conforme vou envelhecendo estou mais feliz com o meu corpo. Dizem que tenho cara de menina e que quando fizer 50, meu rosto vai fazer bruummm. Que maldade! Mas com o passar dos anos estou mais organizada, calma. Meu corpo, que antes engordava, emagrecia, inchava, está se mantendo. Tenho mais disciplina na ginástica. Isso é sabedoria.

Telejornal – Você tem consciência de que é uma das melhores atrizes de sua geração?

Giulia – Não tenho não. Acho que é até uma coisa que aprendi com o Antunes. A autoflagelação, que afugenta qualquer elogio. Então, se alguém me elogia eu falo: “Puxa, não deve ser comigo”. Acabei tendo uma culpa até de desfrutar do elogio ou do respeito pelo meu trabalho.

Telejornal – Como é trabalhar com o Edson Celulari outra vez?

Giulia – Olha, formamos um belo par romântico. Vou dizer uma coisa que ele vai me matar. Sempre digo que ele é um grande ator, porque é alto, um dos únicos em quem posso me dependurar e fazer aqueles abraços clássicos. A gente tem um espírito fraternal de interpretação: sem constrangimento ou insegurança.

Telejornal – Você está namorando?

Giulia – Estou sim. O Otávio Frias Filho, que eu conheci por meio da Bete Coelho, que é casada com o irmão dele. Fomos apresentados num aniversário na casa dele e estamos juntos há um ano.

Fonte: O Estado de São Paulo

Arquivo: Nuno Bragança