Diretora quis privilegiar trabalho dos atores

09/06/1994 20:27

Inspiração da autora nasce de uma passagem de “Personas Sexuais”, da norte-americana Camille Paglia

Daniela Thomas teve a idéia de escrever “Pentesiléias” ser ler a história original de Heinrich Von  Kleist. Não conhecia também a passagem da “Ilíada” onde o mito original é contado.

Descobriu seu tema lendo  “Personas Sexuais”, livro de Camille Paglia, a ensaísta norte-americana famosa por suas plêmicas antifeministas.

“A Bete queria fazer uma mulher”, diz ela, “e eu queria fazer algo novo, ser surpreendida.” O livro de Paglia foi usado como um dicionário de figuras femininas. A história da Pentesiléia mítica estava lá.

Bete Coelho tinha mesmo “saudade de fazer uma mulher no palco, até duvidava se daria; só fazia personagens homens”.

 Ela faz o papel da rainha-mãe e dirige uma peça “em busca do essencial”. O palco “é só um espaço livre; minha preocupação é com a trilha dos atores”.

“O habitat do ator é o palco, e eu queria ocupá-lo”, diz a diretora, que acha que o teatro parece às vezes preocupado demais com o impacto cênico: “O diretor virou um filósofo e o ator começou a desaparecer. Dirigi como uma atriz porque é o que sei fazer, e tive o privilégio de trabalhar com um grupo de atores dispostos”.

No palco, Bete tem que esquecer que é a diretora. “Trabalhar como diretora implica em um distanciamento: corria o risco de parar o espetáculo todo o tempo.”

Na primeira parte da história, sua personagem domina a cena e prepara a transformação da princesa, Giulia Gam, em Pentesiléia.” Depois, Bete sai do palco.

A formação da princesa é levada a cabo pelo conselheiro-eunuco, que por sua vez se transforma em uma terceira Pentesiléia.

Renato Borghi diz que seu personagem “se espelha na imagem da rainha; ele é um ‘voyeur’, que olha pelas frestas, sente os humores, os rumores, os fedores”.

O conselheiro tem duas missões. É o responsável pela castração do rei, e no fim da vida, a rainha-mãe pede-lhe que prepare sua filha.

“A princesa é cuidada pelas tutoras, que são pura racionalidade, ordem, disciplina; mas ela, a princesa, não é castrada. Tem desejos, é ciclotímica. Quando ela encontra Aquiles, o conselheiro-Pentesiléia sabe que não tem mais missão alguma”, diz Borghi, um dis participantes do primeiro Oficina.

Giulia considera que o trabalho da diretora (e amiga) Bete foi o de “resgatar a emoção”. “Gostei deste trabalho até por causa de seu caráter original, inicial; eu trabalhei com o Antunes Filho, um diretor consagrado, trabalhei com Gerald Thomas, que já tinha uma linguagem dramática definida; é a primeira vez que piso em um terreno virgem, digamos”.

Giulia fez Julieta há dez anos, dirigida por Antunes Filho, no mesmo SESC Anchieta onde é a princesa. “Tinha o mesmo camarim; e a Bete, o camarim ao lado”.  A rainha-diretora também ocupa o mesmo camarim de dez anos atrás.

Giulia, para quem seu personagem “é o próprio furor em pessoa, a Eva primeira”, divide o tempo com as gravações da novela da rede Globo, “Fera Ferida”, onde interpreta Linda Inês, a filha do prefeito que se apaixona pelo herói, Flamel.

Fonte: Folha de São Paulo