Ela é o máximo - Jornal do Brasil

24/10/1987 22:03

Vera Fischer vai ter que trabalhar dobrado para que o público consiga esquecer a atriz que interpreta Jocasta no início de Mandala, a novela que levou Giulia Gam ao estrelato.

Que não digam que ninguém avisou. Se a audiência de Mandala despencar a partir da próxima quarta-feira, a causa será clara. Aliás, clara, loura, simpática, olhos castanhos e sotaque paulistano, ou, em outras duas palavras, Giulia Gam. Revoltados com o precoce desaparecimento da Jocastinha da novela, os fãs gamados ameaçam desligar os televisores logo depois do boa-noite do Cid Moreira. Sem Giulia, a noite poderá ser tudo, menos boa.

"Superfeliz" com a repercussão de seu trabalho e desacelerando do pique das gravações, . a atriz, 20 aninhos, se autodiagnóstica "louca pelas coisas mais bobas da vida: alugar apartamento, ter um cachorro, namorar". Quer ter pontos de referência, quer ter a ilusão de ter algo mais estruturado, mais normal. Filha artística de Antunes Filho com Fernanda Montenegro, Giulia vê os 15 capítulos da vida de Jocastinha, que sai de cena na próxima quarta, com um certo distanciamento crítico:

- O que ela tem de bonito é a paixão humanidade. Eu falando que "a gente tem quê se unir" parece ingênuo. Agora há uma descrença muito grande, o processo é individual. Você pode até ter uma teoria muito linda, o comunismo, mas não se chegar a ela. As coisas não andam através das massas, mas do trabalho individual. O sentimento é de que ou vai direto pro caos ou pode vir uma coisa melhor.

E é na tal paixão pela humanidade que esta Giulia pós-moderna se encontra com a Jocasta partidão, encarnada por Vera Fischer em sua maturidade televisiva. Filha única da psicóloga Ana Daisi e do engenheiro José Carlos, nasceu em Perúgia, Itália, para onde seu pai fora estudar pintura. Chegando ao Brasil com um ano de idade, Giulia sempre teve estimulado seu humanismo. Estudou em "escolas mais intelectualizadas", viajou muito, fez balé e esgrima, tocou flauta. Nas salas de aula, fazia o gênero bagunceira-arrumadinha: "Aprendia rápido e bagunçava tudo". Talvez porque possuísse "uma tranqüilidade estranha": sabia que o teatro era o seu destino. Embora, num momento de crise, tenha balançado pela Medicina:

- Passei uma semana no hospital. Queria ter contato com o ser humano, com a existência na sua forma mais crua. Abrir o corpo e ver: cadê a alma?! É um monte de ossos. Parece um boi!

Foi lá pelo final do colegial que Giulia conheceu Marcelo Tas, que já trabalhava com o diretor Antunes Filho e lhe deu o toque: "Você pode fazer a Julieta". Pôde. Suplantou os testes realizados com cerca de duas mil pessoas desde julho de 1982 e ganhou a vaga em Romeu e Julieta - em meio a 50 colegas. Entrou neste grupo em novembro daquele ano, dentro de um projeto que também previa a montagem de Quaderna - formavam a terceira geração de Macunaíma. E foi com a peça homônima que Giulia acrescentou alguns carimbos a seu passaporte: Austrália, Estados Unidos, Espanha, Alemanha, Israel - o ano já era 85.

Voltei e pedi um tempo ao Antunes - recorda. - Precisava absorver tudo o que tinha acontecido, inclusive o impacto da Europa. Foi uma época de crise, de angústia, de decepção pelo grupo ter se dissolvido. Não tinha base de apoio: Antunes, amigos, família. Tinha dinheiro na Europa, mas sem raizes. Foi angustiante. Agora eu percebo. "De que serve a vida?" Foi um choque medonho voltar ao Brasil.

O baixo astral perdurou 1986 afora. E só foi superado visto à distância. Durante sua temporada européia com o grupo Macunaíma, Giulia fez contato com o pessoal de Peter Brook - inclusive com o francês Maurice Benishou, com quem tentou montar A conferência dos pássaros no Brasil. Ela confessa que, na época, estava carente e, por isso, o grupo de Brook lhe pareceu "um encontro de homens notáveis" - que lhe recomendaram voltar a esta santa terrinha. Quando aqui desembarcou estava possuída por uma idéia fixa: conseguir dinheiro para voltar a Paris.

Senti que tinha que ir - conta. - Era uma coisa religiosa. De repente, o destino é terrível, começa a dar tudo certo por aqui.

Moira? Giulia conseguiu o dinheiro fazendo oito comerciais para a Telesp - junto com a produtora independente Olhar Eletrônico, que celebrizou o repórter Ernesto Varela do amigo Marcelo Tas. Por falar nisso: ela sempre fez comerciais, inclusive um censurado, do desodorante Playboy. No momento, está no ar com os reclames da H. Stern e do Bamba. Pois bem. Foi a Paris. Foi, viu Brook e voltou - para filmar O país dos tenentes e Besame mucho. E para atuar em Fedra, junto a Fernanda Montenegro, por quem se diz "estruturada" enquanto atriz. Tão estruturada que pôde superar um bloqueio:

Me sentia frágil para enfrentar a Globo, tão forte.

Topou o convite e encarou a estréia televisiva na pele da Jocasta jovem. Prefere justamente isso: personagens de época, das quais pode estudar o universo - "uma coisa meio Stanislavski", acredita. É desse jeito que aguarda o trabalho na minissérie O primo Basílio, dirigida por Daniel Filho. Recém-chegada da Grécia, onde gravou a lua-de-mel de Laio e Jocasta, aguarda com a tranqüilidade habitual:

- O barato do ator é que ele pode se descobrir como pessoa através dos personagens. Posso até ser acusada de religiosa. Mas sinto que na minha vida há algo que independe de mim. Sinto uma proteção, uma harmonia..

Um destino grego?

Fonte: Jornal do Brasil

Arquivo Pessoal: Nuno Bragança

Para ver o jornal, clique aqui!