Giulia entre contrastes de Giorgetti

15/03/1993 19:06

Giulia Gam trabalha com o cineasta Ugo Giorgetti nos estúdios da Vera Cruz em um filme que mostra o mundo rico da publicidade e a pobreza social no Brasil

Ela costuma fazer de tudo. Teatro de vanguarda com Gerald Thomas, novelas e minisséries da Globo e em Portugal, saraus lítero-etílico-musicais dos mais badalados da Cidade, com os concretos Augusto e Haroldo de Campos. Mas cinema não é exatamente a praia que Giulia Gam, 26 aninhos, mais freqüentou. Por força das circunstâncias. Interpretou alguns papéis não tão marcantes assim e Anjos da Noite, de Wilson Barros, País dos Tenentes, de João Batista de Andrade e Fogo e Paixão, de Isay Weinfeld e Márcio Kogan. “Depois o cinema brasileiro praticamente acabou, e não deu pra fazer mais nada”, diz. Agora, Giulia Gam volta à tela grande com o personagem de Claudinha, uma diretora de casting, no novo filme de Ugo Giorgetti que está sendo rodado desde terça-feira nos Estúdios da Vera Cruz.

O terceiro longa de Giorgetti (ganhador do festival de Gramado de 89 com Festa) se chama Sábado. Tanto o diretor, quanto Giulia Gam, acham agradavelmente simbólico o fato de estarem trabalhando nos velhos estúdios de São Bernardo. “É como se o cinema nacional estivesse revivendo aqui”, diz Giulia. Esse renascimento - que também ocorre em Paracatu, Minas Gerais, com o início de A Terceira Margem do Rio, de Nelson Pereira dos Santos – traz a marca da crítica social. Da preocupação do artista com os problemas endêmicos do país.

No caso, o abismo entre as classes sociais. Giorgetti imagina uma situação quase absurda – uma espécie de surrealismo da vida cotidiana. Uma equipe de publicitários resolve fazer de um edifício decadente o cenário de um comercial para TV. O roteiro mostra o choque cultural entre os sofisticados profissionais de marketing e os moradores do prédio, pessoas no limite da miséria econômica. Além de Giulia Gam, Giorgetti tem no elenco nomes como Otávio Augusto, Maria Padilha, Tom Zé, Elias Andreato, Renato Consorte, Gianni Ratto, o semiólogo Décio Pignatari e o músico André Abujamra. O diretor gosta de trabalhar com atores não-profissionais. “Ator é aquele que funciona bem diante das câmeras”, diz.

No take rodado na última sexta-feira, Giulia Gam contracenava com Elias Andreato. Seu personagem é uma estressada diretora de casting, que está grávida e sofre com a dupla pressão do elenco e do diretor do comercial. Os moradores do prédio assistem à cena, sem entender direito o que está se passando. “Esse tipo de situação é uma metáfora do País”, diz Giulia. “Uma dupla metáfora, na verdade. O contraste entre o mundo rico da publicidade e da pobreza do que vivem no cenário usado, o edifício. Mas também o choque entre o mundo de ilusão das imagens e o da dura realidade”.

O tema é típico de Ugo Giorgetti. Em Festa, ele acompanhava uma grande badalação social pelo ponto de vista daqueles que ficam sempre de fora. Uma ótica do subsolo. “Com Sábado, de certa forma volto ao assunto do desperdício das festas e da artificialidade social. Narro a experiência de morar num país em que Primeiro e Quarto Mundo convivem lado a lado”, diz o diretor.

Giorgetti conhece por experiência própria o assunto de que trata – é um profissional que ganha a vida com publicidade e tem consciência da cultura do desperdício do mundo em que vive. Põe o dedo na ferida e se mostra um cineasta antenado com a situação do País. O que chega a ser quase démodé, hoje em dia.

Fonte: Estado de São Paulo

Assista o filme aqui.