Giulia Gam, atriz de garra

26/12/1993 10:37

A televisão é uma fera que a atriz aprendeu a amansar, sendo tão rebelde e determinada como a Linda Inês. E tudo por amor...

Tem uma imagem “quase” tímida. Chega até a parecer uma menina frágil e inocente. É o seu olhar que denuncia uma personalidade viva e rebelde, aliado a uma ternura assumida pelo seu sorriso. Chama-se Giulia Gam e no pequeno ecrã pode ser quem muito bem quiser. Desde a inexperiente Luísa da série O Primo Basílio, passando por uma jornalista obstinada, a Leonor da série Procura-se, até à jovem revolucionária Jocasta nos primeiros episódios da telenovela Mandala.

Agora, continua, no Canal 1, a dar provas do seu talento. Em Fera Ferida, tem à sua responsabilidade o papel da protagonista, a Linda Inês. E é com esta interpretação que revela a sua garra na arte de representar. Com uma personagem desconcertante, torna-se rebelde, corajosa e solitária.

Para a atriz, o desafio de interpretar a Linda Inês é mais um degrau a subir na sua carreira, definindo a personagem como uma pedra bruta e valiosa, que não deve ser lapidada. E adianta: É verdadeira, corajosa e forte, mas, ao mesmo tempo, frágil, como as suas ovelhas. Ama aquelas criaturas porque sabe que só os animais podem ser tão verdadeiros nos seus sentimentos, pois tudo o que anda à volta de Linda Inês cheira a falsidade e a hipocrisia. Nisso, também é solitária e tem medo da falsidade dos homens, do imprevisto e do sonho. Ela recusa-se a sonhar porque acha mais seguro ter os pés bem assentes no chão.

Angústia para gravar

Entre a atriz e a personagem existe uma identificação muito grande. Sobretudo por que Giulia se sente igualmente sozinha quando está em frente das câmeras, fato que a levou a rejeitar por diversas vezes participar da telenovela. É claro que o amor à arte de representar teve a última palavra e forçou-a mesmo a ultrapassar o medo.

Para mim, revela, fazer uma telenovela é uma solidão infinita, uma angústia... No teatro vê-se logo a reação do público, no cinema vêem-se as cenas gravadas, mas em televisão grava-se e não podemos ver logo o resultado. A única referência é a voz do realizador. Por isso é necessário que ele dirija e explique bem aos atores o que pretende, para que o nosso trabalho possa progredir no rumo certo. Depois de momentos de muita solidão, vem um resultado assustador, uma histeria de reconhecimento, uma avalanche de sucesso.

Em Fera Ferida, Giulia Gam ultrapassou o medo da responsabilidade de “representar” sem rede. O forte apoio que recebeu do realizador, Denis Carvalho, criou-lha uma base de confiança essencial para se entregar à personagem. O Denis Carvalho não deixa passar uma cena uma cena que poderia ser feita melhor, conta. E esclarece: Ele interrompe as gravações sempre que acha necessário e preocupa-se em explicar ao ator exatamente o que pretende. E é por isso que ele é tão fantástico.

Mas é importante referir que a lutadora Linda Inês se tornou ainda mais interessante graças à transformação que a atriz lhe deu. Ao estudar o caráter de sua personagem, ela sugeriu a Aguinaldo Silva, o autor, que lhe desse mais características. Assim, teve margem de manobra para a transformar numa heroína fascinante, com tanto de romântica quanto de frieza. Queria uma personagem que me incentivasse, sublinha. Mas preciso de ter cuidado para não a tornar demasiado “machão”. Durante a história, ela dá pontapés nas portas, toma atitudes de força e até mata uma onça. O Aguinaldo Silva foi muito flexível e pude criar a minha heroína como a imaginei.

Na carreira de Giulia Gam, a maioria dos trabalhos foram nos palcos, mas a atriz garante que gosta de “mergulhar fundo” quando aceita um convite para o pequeno ecrã: No começo, posso resistir a aceitar trabalhar em televisão; mas, quando me decido, vou até às últimas conseqüências. Penso que me acostumei ao teatro, onde tenho mais tempo para ensaiar. Em telenovela ficava muito angustiada porque temos pouco tempo para decorar e ensaiar os textos. Agora já compreendo melhor esse ritmo. Não se pode exigir a mesma densidade da personagem, como no teatro, pois é um processo totalmente diferente. A televisão é, também, um veículo mais solitário. Por não haver ensaios em conjunto, eu sentia-me um pouco só nos estúdios de gravação.

Mas Giulia Gam parece “compensar” a solidão sentida nos estúdios com as muitas brincadeiras que faz aos colegas. Ela é considerada uma pessoa extremamente simpática e, também, uma ótima contadora de piadas. Procuro utilizar esse lado mais solto para descontrair, explica. E esses momentos de riso entre colegas são importantes para nos fazerem sentir mais à vontade.

Nascida há 26 anos na Itália, a atriz viveu sempre na cidade, mas tanto as referências culturais de Linda Inês como o seu forte comportamento não são muito longe das verdadeiras origens de Giulia Gam. Para compor a Linda Inês pensei muito na minha mãe, recorda. Ela é psicóloga, mas também assumiu as terras que herdou do seu pai e teve a seu cargo a administração das propriedades. Assim, ela lidava diariamente com capatazes, e até tinha um revólver.

Com a recordação da imagem da mãe nos tempos de fazendeira, Giulia sabe exatamente o que deve e não deve fazer. O vestuário é muito importante, mas igualmente restrito. Em estilo “country”, as calças ruças ou “jeans”, casacos de camurça, chapéus e botas não deixam adivinhar a romântica que Linda Inês é. Contudo, a personagem estudou no estrangeiro e tem uma certa sofisticação, se bem que na maioria das cenas pareça uma maria-rapaz.

Fera amansada

Há, no entanto, alguém que sabe que Linda Inês tem um lado carente de jovem que necessita de amor. Raimundo Flamel (Edson Celulari) apaixona-se logo pela fazendeira e não vai desistir de a conquistar, mesmo com toda a resistência que ela lhe opõe. Curiosamente, é a segunda vez que os atores formam um par romântico: a primeira, foi na telenovela Que Rei Sou Eu?; agora, a dupla garante momentos de “suspense”, emoção e humor, como afirma a própria Giulia: A Linda Inês vai confrontar-se com dois sentimentos contraditórios: o amor e o ódio. Detesta-o, por que ele deixou órfã a sua ovelhinha preferida e, também, porque a beijou à força. Por outro lado, sente-se apaixonada por ele e fica desnorteada quando tem reações que o demonstram.

Um dado é certo: Linda Inês é uma guerreira pela Justiça no meio de tanto vilões. E Giulia considerou um grande desafio contracenar com grandes atores, sendo uma personagem que os enfrenta constantemente: Ela estará no meio de verdadeiros corruptos e loucos, à procura de alguém honesto para lhe fazer companhia. Terá de enfrentar muitas vezes o próprio pai, o prefeito Demóstenes Maçaranduba (José Wilker), um dos poucos parentes que lhe restam, já que é órfã de mãe e não tem irmãos. Ainda desafiará o representante da autoridade da cidade, o major Bentes (Lima Duarte). Ela é ferrenha crítica da sociedade, e como atriz tenho de ter todo o cuidado para que a Linda Inês não se torne uma “chata” discursiva. Mas acredito no seu desempenho, porque ambas daremos o nosso melhor.

Fonte: TV Guia

Arquivo: Nuno Bragança