Giulia Gam incorpora e extrapola - Revista Ultravioleta

26/12/1992 21:47

O rosto tem “a inocência” de uma colegial de um desses filmes teens dos anos 50. O corpo tem gestos contidos, quase tímidos. Contra a pele muito branca, seus olhos são profundamente negros, e não se rebelam enquanto seus pulsos são algemados. Ou sua boca amordaçada. Afinal, para Valentina, isso é tudo um jogo. E para Giulia Gam, também.

O que mais te atrai em “Valentina”?

Acho que é aquela languidez, aquele jeito displicente. Ela usa jeans, camiseta, mas parece sempre estar acordando de uma cama. Sempre linda, mas você não nota nenhuma vaidade aparente. De repente, ela está com aquelas roupas maravilhosas, mas não é ela que se produz. Tudo simplesmente acontece. É o erotismo, a sensualidade, com uma naturalidade que eu nunca vi em qualquer outro desenho.

Você se identifica com ela?

Eu tenho mais pudor pra lidar com a minha sensualidade. E ali também tem o sado-masoquismo, a dor, e eu nunca tive experiências desse nível. Mas eu gosto da fantasia. Não é uma coisa que eu gostaria de viver, mas eu gosto de curtir no meu reino de fantasia. Nas minhas brincadeiras. Nelas, eu posso ser bem “Valentina”.

E como são essas brincadeiras?

São coisas que eu curto muito. Uma vez, fui para Nova York, e lá comprei uma peruca igual a ela. Aí, com o meu namorado, e numas festas, eu fazia a personagem. Comprei umas lingeries, também. Mas tudo numa fantasia, porque talvez seja impossível ser como a “Valentina”. E eu também não sei se, displicentemente, sou tão sensual quanto ela. Se eu for, é maravilhoso...

Você tem dúvida disso?

Tenho, porque eu acho que sou uma pessoa que pode ficar sensual. Mas eu não me acho naturalmente bonita. E isso não é pra fazer gênero. Acho um saco aquelas pessoas que são lindas e dizem “não sou bonita, eu não quero ser um símbolo sexual”. Eu adoraria ser símbolo sexual. O que eu acho é que tenho uma beleza muito particular. Às vezes, eu me olho no espelho, numa foto, e me acho absolutamente feia.

Literalmente?

É que eu fujo muito do padrão. Não sou magra, esquelética, e isso é sempre muito cobrado. Eu sou grande. Eu tenho peito, tenho anca, tenho coxa, tenho braço. Eu fiz muito esporte. Então hoje, eu estou lidando mais com a particularidade dessa beleza minha. A Ingrid Bergman também era enorme, usava sempre sapatos baixos. Ela era sueca. Eu sou dinamarquesa. Isso fica ainda mais visível na televisão, onde o padrão é bem marcado, e eu sempre fugi dele.

Mas você já fez trabalhos nua.

Já. Fiz com o Antunes Filho, em “Macunaíma”. Mas, isso eu vi com o Antunes, eu não tenho problema com a minha nudez. O que acho importante é que tudo tenha uma função bem elaborada em torno da nudez. E por isso, eu me cuido muito aqui no Brasil, porque aqui é muito usada a nudez. Como no cinema nacional, onde o nu é exposto de uma forma muito gratuita. Porque também esse é o caminho mais fácil. É muito mais difícil, você passar a sensualidade do nu só sugerindo. No “Primo Basílio” eu  tinha uma segurança porque, sendo para a TV, não podia ter nu explícito. Então o Daniel Filho, que dirigiu, fez toda uma dança com as câmeras para o público perceber, e imaginar!, a nudez dos atores. Quem viu na TV, então, jura que a gente estava nu, apesar de não ter visto nenhum seio, nenhuma bunda.

E você posaria nua pra uma revista?

Posaria. Mas não nesse conceito de vender a minha bunda, os meus peitos. Já tive convites da “Playboy”, mas sempre nessa linha, então até agora não aceitei. Se fosse posar nua, teria de ser no contexto de um trabalho, algo inusitado, artístico, como você vê na “Photo”, por exemplo.

Mas várias atrizes já fizeram “Playboy”.

E eu acho até pior no caso de uma atriz. Porque quando são essas modelos que eles chamam de “playmates”, as garotas fazem caras de tesão direto, sem disfarce. A revista cheira sexo. Mas uma atriz vai e faz aquilo, mas quer fingir que não. Ela quer mostrar que é outra coisa, é uma atriz, digna, essas coisas. Então, fica no meio do caminho. Acho que se você aceitou fazer uma foto de sexo, a cara tem de ter tesão. O corpo todo tem de ter tesão.

Voltando pra “Valentina”, o que te faz a cabeça em quadrinhos?

Como menina, eu não peguei os clássicos dos quadrinhos. Minha geração já era de Tio Patinhas, Luluzinha, essas coisas. Agora, de quem eu era absolutamente fã era o Batman, e a Super-Mulher. Ela era a mulher do Super-Homem, e eu acho que só teve dois números no Brasil. E outra que eu lia muito era “Kripta”, que tinha na minha época, com aquelas histórias de terror que eu adorava. Tinha coleções de “Kripta”. Curtia também o “Fantasma”. Eu sempre fui atraída pelos anos 50, aquele glamour com aquelas mulheres maravilhosas. Depois, eu fui conhecer os recentes, como o Bilial, que fui ver no Rio numa exposição na Casa de França. O Crepax, que criou essa mulher maravilhosa que é a Valentina. E esses europeus fizeram a minha cabeça. Bilial, pra mim, é “The Best”.

E as mulheres nos quadrinhos?

Isso! Isso é uma coisa que eu gosto muito. Acho elas lindas, com um glamour maravilhoso. Mesmo na tristeza, elas são lindas tristes. Então você tem uma estética de beleza da tristeza, beleza da melancolia, beleza da beleza.

Como a Giulia Gam define a Valentina?

Languidez sensual.

E como a Valentina define a Giulia Gam?

Um vulcão adormecido.

Fonte: Revista Ultravioleta

Arquivo: Bia*

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