Giulia Gam perde a ingenuidade em Otelo

18/09/1992 21:08

Giulia Gam não é mais nenhuma Julieta. Aos 25 anos, não quer mais ser aquela mocinha ingênua, linda, mas que não sabe para que lado seguir. Ela começou aos 15 anos com o “Romeu e Julieta” de Antunes Filho. Depois, “Macunaíma”. Depois, Gerald Thomas. Fez “Morte” e “Fim de Jogo” . Agora volta a Shakespeare, mas a um Shakespeare mais velho.

Ela é Desdêmona, na montagem de “Otelo” que Fabrizia Pinto – irmã de Daniela Thomas, filha de Ziraldo – e Rene Birochi estreiam daqui a duas semanas no teatro Faap, em São Paulo. Ela sabe que Desdêmona é muito parecida com Julieta. Mas acredita que nessa sua Desdêmona existe uma mulher com que Julieta, muito jovem, sequer sonhava.

A seguir, trechos da entrevista feita durante o ensaio.

Erotismo

Tem coisas parecidas mesmo. Eu me vejo às vezes lembrando muito da Julieta. Eu estava lendo um comentário sobre esses três personagens do Shakespeare:  Julieta, Ofélia e Desdêmona. Ele diz que, de todas as personagens femininas, ela é madura, ela é mulher. E tem um erotismo, uma sensualidade, que as outras duas não manifestam. Quando ele disse isso, me deu o gancho para criar uma mulher mais interessante.

Mais velha

Eu estou tentando fazer algo mais instigante na Desdêmona, que é essa mulher mistificada, que é desejada e comentada por todos. Porque a Julieta era um amor de adolescência, puro, um amor de virgindade, de descoberta. Aqui é uma mulher já feita, digamos. Ela é mais velha do que a Julieta. Ela fez uma opção, e uma opção sensual. Ela escolheu o homem o que ela quer, ela tem desejo por esse homem. Para mim, pessoalmente, ela é interessante.

Televisão

Eu achei que ia passar impunemente pela televisão. Eu vou lá, faço um trabalho, volto aqui e continuo. Só que a projeção, a tua imagem... Eu me assustei ao ver que o meu nome era mais importante do que o meu trabalho. O interesse passou a ser Giulia Gam e não o que eu estava fazendo como atriz. Eu tentei voltar ao teatro e enfrentei o maior preconceito. Assim, loucuras.

Curiosidade

Eu não tenho esse virtuosismo da atriz de teatro. Eu acho até ruim, porque dispersa. Eu tenho curiosidade de fazer reportagem em Serra Pelada, como acontecia no Olhar Eletrônico. Mesmo na televisão, eu busquei trabalhar com o Daniel Filho, com a Marília Pêra, com o Jorge Fernando. No teatro foram Antunes, Gerald, Fernanda Montenegro.

Personalidade

Eu queria achar... Uma hora eu queria achar o que eu era nisso tudo. Eu falei, “ou eu não tenho personalidade nenhuma, eu sou uma atriz profissional para fazer isso, fazer aquilo, ou eu tenho uma linguagem também para desenvolver, eu tenho um estilo de teatro que eu gosto de fazer”. Eu pensei muito sobre isso.

Geração

A Fabrizia, eu fui vendo que ela costurava de uma certa forma, ou pelo menos ela tinha as mesmas referências que eu.  Eu comecei a achar que ali de repente tinha uma pessoa que era jovem, que fazia parte de uma geração... É meio babaca falar em geração, mas é verdade. Eu falei, “eu quero ver o que ficou disso tudo em mim”.

Sobre Antunes

O Antunes era a organicidade. Ele jamais partia de uma forma exterior. Todo o movimento era interior, fosse ele de informações lidas ou vistas... Ele brincava que a gente deveria ter um “banco” inconsciente, um arquivo. O máximo, para ele, era que o gesto fosse absolutamente espontâneo. Tão espontâneo, que te surpreendesse, enquanto ator. Assim o espetáculo estaria sempre vivo.

Sobre Thomas

O Gerald é exatamente o oposto. O Gerald, ele parte de figuras. Ele trabalhava muito com a tua caricatura. Então, se ele me olhava e via um rosto redondo, ele tentava desenvolver isso até criar uma caricatura. Ele parte da fisicalidade. Ele rege a tua musculatura. Você guarda a coreografia e, repetindo, isso vai te dar uma verdade que não importa qual seja. Você cria o que você quiser. A plateia não precisa saber.

Fonte: Folha de São Paulo