Giulia Gam - que fera é essa?

25/02/1994 19:27

O produtor destacado para viabilizar a próxima cena de Linda Inês, a rebelde e obstinada protagonista da novela Fera Ferida, da Rede Globo, sua em bicas. Porém, não é o calor que se abateu sobre a cidade cenográfica construída pela emissora na Estrada dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, que mais o incomoda. A atriz Giulia Gam, 27 anos, isto é, Linda Inês acaba de confessar que não sabe dirigir o antigo Opala prata, de câmbio na direção, com o qual deve cruzar, em alta velocidade, uma das ruas da provinciana Tubiacanga. A cena está prestes a ser gravada. E o produtor à beira de um ataque de nervos. Onde vai arrumar outro carro parecido com o que pede o script? Quem encontra a solução é a própria Giulia. Como? Morrendo de rir da cara dos que acreditaram na sua mentira.

“Ela é uma molecona”, diz Dênis Carvalho. “Mas também uma profissional extremamente consciente do seu papel”. É dele a tarefa de dirigi-la quando se transforma em Linda Inês, a protagonista de Fera Ferida. Por “molecona”, o diretor se refere ao astral de Giulia dentro e fora do estúdio. “É capaz de sair do camarim com uma barriga postiça só para brincar com os colegas”, conta Dênis. O ator Edson Celulari que pela segunda vez atua numa novela como o par romântico de Giulia (a primeira foi em Que Rei Sou Eu?, é outra das vítimas da atriz. Já ganhou muitos pisões doloridos nos pés em cenas de maior paixão. “Ela é divertida”, diz. “Tem o dom de trazer alegria ao trabalho e estimular quem está por perto.”

Se Giulia pudesse se transformar em um objeto, sem dúvida uma antena parabólica cairia como uma luva. Ela gosta de aprender. Talvez por isso as viagens sejam uma das suas principais paixões. Pergunte a ela o que lhe dá maior prazer depois de sair do palco, e a resposta será: “viajar, viajar, viajar”. Conseguiu, certa vez, convencer uma parte do elenco de uma peça que a acompanha em uma turnê pela Itália a visitar a Grécia. Lá, fez com que todos fossem até a Tunísia.

“Para mim as viagens têm gosto de aventura”, diz. E têm mesmo. Durante uma viagem à Dinamarca, por exemplo, terra do avô Gustavo Gam, que veio para o Brasil trabalhar com o arquiteto Oscar Niemeyer, decidiu ir atrás da árvore genealógica da família. “Descobri setecentos outros Gam, foi incrível.” Do cemitério, depois de visitar o túmulo dos ancestrais, Giulia telefonou para o pai, o engenheiro José Carlos, e foi um choro só. Não que a família seja dada a romantismos desnecessários. Filha única, nascida em Perugia, Itália, durante uma viagem de estudos do casal Gam, Giulia sempre foi tratada como mais uma entre os adultos. O sonho era ter a casa cheia de irmãos, mas como dizem por aí, nem tudo pode ser perfeito. Ela logo se convenceu disso e descobriu que podia contar com o apoio e a cumplicidade dos pais em todos os seus projetos.

Se Giulia não fosse atriz, por exemplo, ela poderia ser música. Estudou flauta transversa no conservatório durante quatro anos. Mas, se desistisse do teatro, e também da música, por certo daria uma excelente atleta. Dessas que seguem para as Olimpíadas e só voltam para casa depois de ganhar nem que seja uma medalha... de ouro! Durante oito anos, praticou esgrima, um esporte que ainda hoje continua seduzindo um grupo muito seleto. Graças à destreza no manuseio do florete, sua personagem Aline, em Que Rei Sou Eu? Ganhou em charme e elogios.

Homens inteligentes, os alvos dessa fera

Bem, ninguém pode acusar Giulia de não ter checado sua verdadeira vocação. Ela chegou a considerar a possibilidade de estudar Medicina, logo depois de terminadas as gravações da minissérie O Primo Basílio – o clássico de Eça de Queiróz transformado em um dos maiores sucessos da TV. Há cerca de cinco anos, com a ajuda da mãe, a psicóloga Ana Daisy, Giulia passou              quinze dias reclusa nos bastidores de um hospital de São Paulo. Assistiu a partos, operações e então, finalmente, decidiu que seu caminho era o palco. “A gente nunca sabe o que quer, mas sabe o que não quer”, diz.

Sorte do público e alívio dos colegas, de quem Giulia nunca ouvi nada diferente que elogios, e aos borbotões. A veterana Fernanda Montenegro, que depois de vê-la no palco encenando Romeu e Julieta, dirigida por Antunes Filho, quando ainda nem tinha completado 17 anos, decidiu convidá-la para participar de Fedra, considera Giulia Gam uma atriz de sensibilidade apurada. “É também uma pessoa de excelente caráter e fácil de conviver”, diz Fernanda. “Ela é um dos grandes nomes a se destacar em sua geração”.

Tudo isso, claro, enche Giulia de satisfação, embora nem um pouquinho de convencimento possa ser notado. A essa boa dose de sobriedade junta-se outra de espontaneidade. O resultado? Grandes conquistas. Não, não estou falando apenas dos amigos e dos colegas de trabalho. Mas de homens também. O primeiro namoro aconteceu ainda criança com o saxofonista do Quinteto Onze e Meia, coadjuvantes do programa de Jô Soares. Se você está pensando que é o Derico, o “assessor de assuntos aleatórios”, acertou em cheio.

Ainda adolescente, ela viveu um amor platônico, platônico mesmo, com o diretor Antunes Filho, de quem era aluna e virou quase musa. Na época, Antunes tinha 54 anos e Giulia 17. Foi pelas mãos dele que estreou no palco, vivendo Julieta, a personagem mais romântica de William Shakespeare. Já adulta, teve um flertezinho com outro diretor, Gerald Thomas, que a dirigiu nas peças M.O.R.T.E e Fim de Jogo. A primeira grande paixão, entretanto, aconteceu em outro palco. Ao som do rock do conjunto Titãs. Apaixonou-se (e foi correspondida) pelo titânico Tony Bellotto, hoje casado com Malu Mader. O namoro durou dois anos.

Claro que depois disso apareceram outros corações interessados em conquistar o de Giulia. Um médico alemão, por exemplo, teve lá a sua chance durante o ano em que ela viveu na  Europa. A relação só acabou com o retorno de Giulia ao Brasil a trabalho, sem deixar sequelas.

Aquele, certamente, deve ter sido o dia de sorte do diretor do jornal Folha de São Paulo Otávio Frias Filho, atual amor de Giulia. O namoro começou há quase dois anos. Otávio a queria em sua peça de estreia como autor teatral. Giulia recusou. Nada pessoal, a não ser compromissos profissionais assumidos há mais tempo. Daí para os jantares e encontros tendo como pano de fundo a paixão comum pelo teatro, o namoro deslanchou. E parece ir de vento em popa. Tanto, que ela já assume o desejo de ter filhos. “O engraçado é que antes eu não pensava nisso”, reconhece.

Trabalho! Uma paixão bem resolvida

Difícil mesmo é programar tantos planos diante da agenda carregada de ambos. O maior rival de Otávio, evidentemente, é o trabalho de Giulia. E houve ocasiões, diga-se de passagem, em que o trabalho venceu. Numa dessas vezes, o casal curtia férias em San Francisco, Estados Unidos, quando o diretor Guel Arraes decidiu chama-la  para fazer o especial O Alienista, com Marco Nanini. “Eu não podia recusar, sempre quis trabalhar com eles”, explica. O texto chegou pelo fax e Otávio...bem, Otávio deu a maior força.

Mas será uma injustiça colocar Giulia na categoria das maníacas por trabalho que habitam o mundo. Ela é dedicada, chega às gravações com o texto decorado, mas adora quando o diretor a deixa chegar ao estúdio um pouquinho mais tarde. Aí ela aproveita para caminhar pela praia do Leblon, pede um almoço sem frituras, sem creme de leite e sem massas (no duro!) e se delicia com um tablete de chocolate como sobremesa. “É meu único pecado”, garante.

Seus amigos mais íntimos, porém, juram que ela tem um outro. Quase todos os dias, passa bons minutos frente ao espelho com uma rolha daquelas que serviriam para fechar um garrafão de vinho de 5 litros, na boca. E, sem misericórdia dos ouvidos que possam estar por perto, desfia frases com um vozeirão que só Deus sabe de onde vem. Por mais que Fernanda Montenegro e tantos outros profissionais consagrados digam que ela já tem lugar garantido no primeiro time dos atores brasileiros, Giulia Gam não sossega. Tão disciplinada quanto a melhor aluna de um rígido colégio de freiras, não abre mão das aulas de fonoaudiologia para deixar sua voz ainda mais forte. Exagero? Ela jura que não. Acredita que precisa martirizar os ouvidos dos vizinhos com aqueles exercícios. Fazer o quê? Se é esse o preço para vê-la cada vez mais impecável em cena, vá lá. Seus amigos que aguentem a serenata matinal. É a fera ampliando seus domínios.

Fonte: Revista Nova