O DESAFIO DE GIULIA GAM

02/04/1989 22:16

Em Que Rei Sou Eu? A atriz interpreta uma heroína rebelde, mas muito romântica

Ela despertou uma paixão imediata no público quando apareceu pela primeira vez na tevê, como a Jocasta da primeira fase de Mandala. A descoberta de um rosto bonito expressivo e do talento de uma jovem atriz seria reafirmada, mais tarde, através de um trabalho digno de atrizes veteranas. Foi a vez de Luísa surpreender a crítica na minissérie Primo Basílio. Desde então, os personagens de época a perseguem. São as heroínas românticos e rebeldes, como Aline, uma "guerrilheira" de capa e espada na novela dos sete da TV Globo.

A experiência de enfrentar 180 capítulos de gravação a assustou um pouco, no início. Afinal, até hoje ela só havia criado personagens de vida curta e não de uma novela inteira, onde o ritmo de trabalho é alucinante. "Eu tinha medo que o meu trabalho perdesse a qualidade, afirma ela. Sempre fiz papéis que me exigiam síntese de sentimentos, densidade. Esta novela me chamou a atenção por ser uma aventura, ao mesmo tempo em que é uma ficção."

INTUIÇÃO E SENSUALIDADE

Aos 22 anos, Giulia Gam já soma 7 de carreira, com a maior parte de sua experiência fundamentada no teatro paulista, em trabalhos com o diretor Antunes Filho. Com ele fez Romeu e Julieta, Macunaíma e Teatro de Nélson Rodriques. Inesquecível e extremamente importante para ela, no entanto, foi trabalhar com Fernanda Montenegro na temporada paulista de Fedra. Giulia também fez turnê pelas principais capitais do País, durante 6 meses. Outra atriz com quem aprendeu muito foi Marília Pêra, com quem contracenou em Primo Basílio.

Intuitiva, espontânea e com um jeito natural de ser, a atriz chama atenção pela simplicidade e beleza de seu sorriso, sua maneira calma e gentil de falar. E um tipo de mulher instintiva, que não mede palavras, curte muito a natureza e admira o comportamento dos animais, "sempre tão verdadeiro". Neste ponto, assemelha-se com Aline, uma mulher apaixonada, que não liga para os padrões de uma sociedade hipócrita e é capaz de morar numa caverna, com quatro companheiros, para lutar por um ideal e ficar perto do homem que ama.

- É a paixão de Aline por Jean Pierre que a leva, no início, a comprar a causa do grupo, diz a atriz. Mas depois ela continua a sua luta, independente do amor de Jean Pierre, a quem poderá perder, inclusive. Eu também me apaixono demais. Não gosto de me poupar, mas de me atirar em todas as minhas causas, seja no amor ou no trabalho. No amor, só não gosto de fazer propaganda de um namoro, por exemplo. Sou muito discreta mas me exponho totalmente na entrega. Isso, para mim, é sempre inevitável.

TUDO PELA CAUSA

Para resgatar esse lado bicho-do- mato de sua personagem, uma mulher que tem sangue frio para matar pela causa, Giulia Gam está aprendendo esgrima e Ai-Ki-Dô. Afinal, Aline chega a liderar algumas ações perigosas dentro do castelo de Avilan. E mesmo incorporando uma revolucionária pela segunda vez, Giulia acredita muito mais nos ideais de justiça social que movem Aline: "Porque ela é pobre, seu sofrimento é real, dolorido. Aline é pura ação. A Jocasta também tinha um componente revolucionário, mas era burguesa, não uma operária."

No Brasil, a atriz acredita que o povo está chegando a um momento de total desespero, em função da fome, da miséria. Mas acredita que ainda assim ninguém daria a vida por um movimento revolucionário ou morreria pela pátria.

- A novela não tem o compromisso de fazer ninguém se revoltar, mesmo porque é uma comédia. Mas a revolução francesa aconteceu num momento muito parecido com o que nós estamos passando: muita corrupção, injustiça social e violência com o trabalhador. E a gente já viu movimentos desesperados, como a greve em Volta Redonda. Mas eu não sei se vamos sair dessa situação porque isso só acontece quando se une o desespero com um ideal político forte, e é o que nos falta. Aqui só tem político velho, de partido corrupto, viciado, com exceção do PT, um partido que ainda tenta manter a integridade. Porém sinto que as pessoas já estão mais conscientes de sua cidadania, tentando não ser tão invadidas pelos poderosos, e tentando perder esse rótulo de povo colonizado.

NA CORDA BAMBA

Independente de suas dúvidas políticas, Giulia Gam vive um momento de indecisão profissional. Sente falta do teatro, fica envolvida com os convites que recebe, mas acha que não vai dar conta do recado, pois a novela lhe exige muito. Há dias em que grava até 1 hora da matina. Atualmente ela se recupera de uma estafa que por pouco não a afastou por mais tempo das gravações. Ainda assim, fez teatro com Bia Lessa em São Paulo há cerca de 2 semanas. Uma transcrição de textos hebraicos do Genesis e Eclesiastes.

Tentando trabalhar no Rio e morar em São Paulo, Giulia também se sente ausente dividida. "Gostaria de retomar meu lado pessoal, a família, os amigos, todo mundo que ficou em São Paulo. Mas sei que estou mais engajado profissionalmente no Rio. Aqui fico em casa de amigos. Já morei com um tio também. Fico saltitando", diz ela com seu sotaque paulista.

No mais é a vontade de tentar fazer no teatro algo mais do que um empreendimento de lucro, explorando a imagem das novelas. "A gente tem que fazer TV, que é o único lugar em que o ator se auto-sustenta. E com isso bancar o teatro. Mas os atores jovens têm medo de enfrentar o teatro de experimentação, porque a minha geração não sabe aonde quer ir, exatamente como na política. Com isso a gente vai só agindo e passa a ser a conseqüência dessa ação. O negócio é agir com a melhor intenção possível, sempre'', conclui.

 

Autor/Repórter: Mônica Soares

Jornal/Revista: O Dia

Arquivo Pessoal: Edson William