Quem tem medo de orquestra? - Pedro e o Lobo

19/03/2012 20:28

Em cartaz em SP, ‘Pedro e o Lobo’, peça didática do russo Prokofiev, usa trama sobre coragem para apresentar instrumentos a crianças

Moscou, 1936. Natalia Saz, diretora artística do Teatro Central para Crianças, pensa em uma forma de introduzir seus pequenos espectadores aos instrumentos de uma orquestra. Para enfrentar o desafio, convoca o compositor Sergei Prokofiev (1891-1953).

“Pedro e o Lobo” – que acaba de voltar ao cartaz em São Paulo, em elogiada montagem de Muriel Matalon, com narração de Giulia Gam – foi a resposta do compositor.

A obra conta a história de como o travesso Pedro, desobedecendo às ordens de seu avô, com quem vive, entra na floresta e se depara com o ameaçador lobo, que engole um pobre pato. Pedro, então, é obrigado a enfrentar a fera.

A cada personagem, corresponde um instrumento ou naipe (metais, sopros, cordas etc.) de uma orquestra, cumprindo assim a encomenda de Saz: a entrada em cena dos personagens apresenta, passo a passo, os sons da orquestra à jovem audiência.

Violinos dão voz a Pedro, o lobo é representado por trompas, e flautas lembram os passarinhos. O avô é o fagote; os caçadores, percussão.

Na montagem em cartaz no Tucá, regida pelo maestro Carlos Moreno, 11 bonecos criados por Marco Lima são manipulados por 12 atores.

Giulia Gam – que diz sempre se impressionar com a entrada do lobo no espetáculo e com o assombro das crianças – descreve seu trabalho como uma narração que foge de “imbecilizar a criança”. “Também não é algo tatibitate”, conta Gam, que, adolescente, antes de ser atriz, tocava flauta transversal.

CONTEXTO POLÍTICO

O contexto político em que nasceu “Pedro e o Lobo” é pouco lembrado, mas ajuda a compreender as finalidades da obra didática.

Em 1936, Prokofiev acabava de retornar a União Soviética, após um período, iniciado em 1918, de exílio involuntário entre EUA e França. As conturbações pós-Revolução Russa (1917) e pós-Primeira Guerra (1914-1918) impediram que o músico, que saíra para uma turnê, voltasse ao país – com o qual, entretanto, não perdeu contato.

Desejoso por regressar, ele vinha ensaiando uma reaproximação, que incluíra a composição, no ano anterior, do famoso balé “Romeu e Julieta”, escrito na França para o Kirov, em Leningrado (hoje São Petersburgo).

Quando se deu a volta, o governo vigiava o músico, considerado formalista – para o regime soviético, praticamente um sinônimo de não engajado. “Pedro e o Lobo” – criada em quatro dias, a partir de um esboço composto para seu filho – foi parte do esforço do compositor por ser assimilado pela URSS.

A recepção inicial parca não anunciava a enorme popularização da peça, em incontáveis  gravações e montagens, além de releituras em livros, animações e filmes.

Talvez o objetivo de ensinar música aos pequenos não se cumpra hoje tão claramente. Mas a peça segue fascinando pais e filhos ao falar de como certa dose de desobediência gera amadurecimento.

Para Muriel Matalon, a trama representa o embate entre velhas e novas idéias. “Mas é principalmente uma história sobre o medo.” Ou melhor,  “sobre o menino que enfrenta (e vence) o medo”.

(Gabriela Romeu)

 

“Pedro e o Lobo” é uma fábula musical infantil, mas traz uma inevitável complexidade sonora, em se tratando de Prokofiev, e imenso leque de opções cênicas, que tornam trabalhoso construir um grande espetáculo.

Pois é plenamente o caso da produção regida pelo maestro Carlos Moreno, dirigida por Muriel Matalon e narrada por Giulia Gam.

A parte orquestral, interpretada por 23 músicos, é relativamente curta. Seus fragmentos, somados, dão menos de 15 minutos. A tendência predominante consiste em rechear o roteiro com falas ou esticar de modo redundante a ação dos personagens.

Não é o caso. “Pedro e o Lobo” tem um histórico discográfico com narradores de peso, com os atores Patrick Stewart ou Sean Connery, o maestro Leonard Bernstein, ou, no Brasil, gravações já muito antigas de Rita Lee e Roberto Carlos.

Aqui, o mérito da diretora cênica reside em ter concebido uma produção econômica, de 35 minutos. Giulia Gam tem o monopólio da palavra, no texto adaptado por Mariana Veríssimo, e não simula ser Pedro nem imita as vozes do gato, do avô ou do pato. Ela é a âncora, e o faz com competência e altivez.

Marco Lima, também assistente de direção, concebeu os belíssimos bonecos que percorrem a cena, manipulados por uma equipe que não se cobre de preto ou se camufla com efeitos de iluminação.

O grupo faz parte do enredo, ao demonstrar, por exemplo, que a importância de Pedro faz dele o único a exigir três manipuladores.

Há, por fim, o grande trabalho do maestro Moreno e dos instrumentistas que representam os personagens: a flautista Mônica Camargo, para o pássaro, a oboísta Gizele Sales, para o pato, o clarinetista João Francisco Correia, para o gato, três trompas para o lobo e, sobretudo, as cordas, lideradas por Constança de Almeida Prado Moreno, no papel de Pedro.

Fonte: Folha de São Paulo