Retrato de Jocasta (Mandala)

08/09/1987 18:08

Há duas Jocastas na versão de Édipo Rei que o escritor Dias Gomes, 65 anos, transformou na novela Mandala, a partir de 12 de outubro, as 20h30min, na Globo. Uma é vivida por Vera Fischer, rica, bela e quarentona. É ela quem, em pleno 87, se apaixona, namora e vai casar com o próprio filho Édipo (Felipe Camargo). A outra é a jovem Jocastinha, estudante de Sociologia e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), durante a renúncia do ex-presidente Jânio Quadros, em 1961. Ainda grávida de Édipo, em duvida se casa ou não com o alienado Laio, Jocastinha ficará no ar nos 15 primeiros capítulos e marca a estreia , em rede nacional, da atriz paulista Giulia Gam, 20 anos, cria do diretor teatral Antunes Filho e em cartaz no Rio como Aninha, no filme Besame Mucho.

Loura, rosto redondo como o de Vera Fischer, olhos castanhos irritados com as lentes de contato azuis. Giulia Gam já admira e, ao mesmo tempo, critica o idealismo da personagem de uma ‘geração antiga’. Jocastinha queria melhorar o mundo através de um movimento social – no caso, o comunismo.

Ela foi beber no próprio Manifesto Comunista, redigido por Marx, teorias socialistas e comunistas e, daqui, leu textos e peças de Oduvaldo Vianna Filho, para entender esta comuna carioca. E entendeu que, apesar da dureza de seu discurso materialista, Jocastinha não é mais que uma garota romântica:

- Ela é até religiosa, não no sentido pejorativo. Uma apaixonada, que queria um mundo mais justo, de homens iguais. No fundo, ela fala de amor. É muita generosidade pensar na humanidade.

Na primeira cena, gravada na última segunda-feira para o capítulo 11 da novela, Jocastinha discute com a amiga Vera (Debora Evelyn, em 61: Imara Reis, em 87) sua indecisão sobre o casamento com Laio. Tem medo por dois motivos: um, ideológico, de não compactuar com esta instituição falida; outro, afetivo, se refere à vida desregrada do marido alienado. Giulia ri da caretice dos progressistas daquele tempo. O avô Pepe (Paulo Gracindo) e o pai comunista Túlio (Gianfrancesco Guarnieri) gostariam que Jocastinha derrubasse o regime, mas não querer casar... É demais!

Foi com outra “geração antiga”, a do diretor Antunes Filho, que Giulia Gam começou a admirar a disciplina de profissionais que concebem o teatro ‘como o caminho para o aperfeiçoamento do ser humano’. Nas montagens de Romeu e Julieta, Macunaíma, Álbum de Família e Toda nudez será castigada, percebeu que, para esta geração, o ator tem, por obrigação, de ser substancia, cultura, ‘tem de querer dizer alguma coisa’. E se Antunes foi um ‘pai’, que, apesar da fama de tirano, a tratava com carinho, a ‘mãe’ tem na relação com o teatro o mesmo espírito de sacerdote: é a atriz Fernanda Montenegro, que conheceu na temporada em que substituiu a atriz Cássia Kiss, na peça Fedra.

Na Grécia antiga, portanto, Giulia Gam já mergulhou para se situar na trágica Fedra. Assim como Antunes e Fernanda, tratou de se estruturar em bases filosóficas, com estudos sobre dialética e o mito do eterno retorno, e psicológicas, com leituras de Freud e Yung. A abordagem do incesto pela rede Globo aponta, na sua opinião, mais um retorno a Grécia do que uma ousadia da emissora. Há uma busca, nos trágicos arquétipos gregos, de uma saída para a encruzilhada da civilização contemporânea.

Tem a Fedra, Édipo na Globo, e acho que Antunes vai montar Medeia. Estes arquétipos podem ajudar a humanidade a sair de uma encruzilhada em que deve romper com a estrutura de família e talvez com a própria proibição do incesto.

Uma proibição aparentemente aceita através dos toques da mãe, a psicóloga Ana Daisi, que lhe mostrou carinhosamente os limites de sua paixão pelo pai, o engenheiro José Carlos Gam. O próximo voo é para Paris e lá acertar com o ator francês Maurice Benishou a direção, já prometida, da montagem brasileira de Conferência dos pássaros, de Peter Brook. Até lá, um outro desejo de gravar com o diretor Walter Avancini, admirado, temido e rigoroso com seus colegas, mas, para Julia, ‘quanto mais sabido e mais tirano, mais a gente aprende’. Esta nova carreira tem ainda um padrinho o ator-repórter Marcelo Tas amigo que sempre lhe avisou onde estavam fazendo testes quentes e a convidou para a primeira campanha publicitária da Olhar Eletrônico.

Fonte: Jornal do Brasil

Arquivo: Nuno Bragança

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