Sou cavalo de fogo! Ninguém me segura - Revista Marie Claire

03/07/2013 02:00

Em 31 anos de carreira, ela soma 13 peças de teatro, 12 novelas, 30 especiais e minisséries e alguns turbilhões pessoais como a dolorida e midiática separação do jornalista Pedro Bial. Aos 46 anos, mais magra, bonita e feliz, Giulia rouba a cena na novela Sangue Bom com a impagável Bárbara Ellen. Nesta entrevista exclusiva, deixa claro que quer mesmo aproveitar suas conquistas e se divertir

Giulia me recebe em seu apartamento no Leblon com um sorriso aberto. A sala ampla tem vista para o mar e muitas obras de arte, com destaque para uma tela colorida de Ivald Granato. Depois de me oferecer água e café, ela aponta umas caixas pelo chão e se desculpa pela bagunça. Está arrumando álbuns de família. E no momento em que abre as caixas, é abduzida por suas memórias. De cara, surge uma foto do filho Theo, ainda bebê, no colo do jogador Ronaldo, sendo paparicado por toda seleção brasileira, em Paris. Era 1998 e Giulia estava casada com o jornalista Pedro Bial, pai do menino, que cobria os jogos da Copa. Hoje o garoto tem 15 anos e pinta de surfista. “Antes, só guardava fotos dele, mas quando minha mãe morreu, herdei um contêiner. Procurei um amigo fotógrafo para ajudar a catalogar”, explica. De dentro desse baú emergem as imagens da infância da atriz, sua mãe, psicóloga que estudou na Sorborne, e seu pai, engenheiro que estudou pintura em Paris e trabalhou com Oscar Niemeyer. Giulia nasceu por acaso em Perugia, na Itália, graças às andanças desse casal original, que colocou a filha única para estudar música e esgrima, e recebia artistas – como a trupe do Living Theatre – para dançar no gramado do sítio da família, em Cotia (SP).

Aos 46 anos, sentindo-se forte e livre como nunca, a atriz topou dois encontros para falar de tudo à Marie Claire: sexo, drogas, amores, dieta, fama e uma insuspeitável espiritualidade. “Afinal, para que servem tanta análise, os amigos, o amor, a arte? Para seguir em frente!”. E Giulia segue, vai como um cavalo de fogo, seu signo no horóscopo chinês.

MARIE CLAIRE De jeans e camiseta, você parece uma universitária. Quando começou a interpretar mulheres fatais na TV, como a Dona Flor (1998)?

GIULIA GAM – Adoraria ter sido uma universitária! Mas, aos 15 anos, já estava no teatro, no grupo do Antunes Filho, fazendo a Julieta. Quando fui convidada para fazer Dona Flor, me surpreendi, mas acho que acionei os genes baianos, minha avó paterna era de Ilhéus. Minha primeira personagem sexy na TV foi num episódio da Comédia da Vida Privada, em 1995. Fiz uma devoradora de homens! Entrava vestida de coelhinha, espiã russa... Mas era uma paródia da sedução. A Bárbara Ellen (personagem da atriz na atual novela das sete Sangue Bom) também tem esse erotismo paródico. Ela se acha!

MC – E, de certa forma, critica a fama fácil da TV...

GG – Ah, esse papel é um presente. O texto é incrível, parece uma partitura. Escancara o trabalho da mídia na fabricação de celebridades. Já sofri com a cultura da televisão. Estou mais apaziguada. Minha casa era o teatro, quando a TV me chamava, pedia conselhos ao Mario Prata (amigo da atriz e então autor de novelas da Globo), para saber o que aceitar. Podia ter me divertido mais, mas na minha cabeça, ao aceitar fazer televisão (Giulia estreou com uma participação especial na novela Mandala) estava traindo a arte e o meu pacto secreto...

MC – Que pacto era esse?

GG – Eu era amiga do Marcelo Tas e foi ele que me chamou para conhecer o grupo do Antunes Filho e fazer o teste para o elenco de Romeu e Julieta. No caminho do teste, prometi a mim mesma: “Se eu passar, vou dedicar o meu trabalho de atriz a um serviço espiritual para o mundo”. Olha a responsa! (risos).

MC – De onde tirou a ideia?

GG – Meus pais eram intelectuais e buscadores espirituais. Foram para Índia quando ninguém falava disso. Meu pai estudava Gurdjieff (Ivanovich, filósofo russo) e minha mãe tinha um guru indiano. Aos 13 anos, eu praticava meditação. Sob a influência do hinduísmo, fiz esse pacto juvenil de transformar a minha arte num serviço espiritual. Isso explica porque sempre tive pudores com fama e dinheiro. Tanto que só assinei o primeiro contrato com a Globo depois da Heloísa (a personagem ciumenta de Mulheres Apaixonadas, que lhe rendeu o Troféu Imprensa de melhor atriz, em 2003) Mas já levei isso para a terapia! Está na hora de eu me apropriar do que é meu e desfrutar dos méritos, sem tanta sisudez.

MC – Você revelou que perdeu a virgindade aos 18 anos, com um ex-pianista. Não é tarde para uma moça de vanguarda que na adolescência já viajava com a trupe teatral pelo mundo?

GG – Ah, mas quando entrei no grupo do Antunes, a disciplina era muito rígida. Drogas e sexo eram proibidos entre os integrantes. A gente passava 17 horas por dia lá, ficava difícil transar fora!  Meus pais eram liberais, mas não sexualmente. Namorado não podia dormir em casa. Mas não tenho do que reclamar, minha relação com os homens sempre foi muito boa (risos). Deve ser porque fui a princesinha do meu pai. Ele morreu quando eu tinha 28 anos. Sei que tem idealização paterna aí, mas por causa dele, a presença masculina sempre foi muito prazerosa.

MC – No imaginário geral, artistas são mais liberais com sexo e drogas. Você experimentou alguma?

GG – Flertei, mas graças a Deus nunca caí nessa. Com maconha, minha pressão baixava e eu ficava uma retardada. Nos anos 80, chique era cheirar cocaína. Tinha em todas as festas, era quase um símbolo da década yuppie, uma coisa Nova York, de artista moderno. Um amigo me apresentou a “carreira lady”, que era menor, só para dar um brilho. Você cheirava, dançava muito, suava e pronto. Até que uma vez eu trinquei. Passei muito mal, vi que não era por aí. E se alguém usar isso para tapar o buraco dos problemas, então... ferrou, né?

MC – O que você diz sobre drogas para o seu filho Theo?

GG – Digo NÃO! Porque sei que o mundo vai dizer sim, vai ter na praia, na festa, no grupo dos amigos... O que acho difícil é dizer não e ao mesmo tempo deixar claro que, se ele tiver qualquer problema, sempre poderá contar comigo. E hoje as drogas legais também estão bombando. Além do álcool, nas festas as pessoas comentam os remédios que estão usando. Por um lado, acabou o estigma – antes quem ia ao psiquiatra era louco – mas por outro, isso se banalizou.

MC – E você? Toma remédios?

GG – Agora não, mas já tomei. Tive períodos difíceis, busquei ajuda de um psiquiatra para lidar com a minha ansiedade. Mas hoje consigo buscar minhas forças graças à análise, com exercício físico e meditação. E quero também parar de fumar. Parei e voltei várias vezes, mas acho um horror.

MC – O que abala seu humor?

GG – Mentira. Para mim, é imperdoável. Mesmo assim, acho que quem mente deve pedir perdão. Prefiro ouvir uma verdade doída do que uma falsidade.

MC – Numa entrevista que deu à Marie Claire, em 2003, você disse que foi o Tony Belotto que a ensinou a namorar...

GG – A primeira vez que vi um show do Titãs, fiquei impressionada com a atitude radical deles no palco. Me senti uma careta perto daquilo. Acabei namorando o Tony por uns dois anos. E ele me deu uns toques do tipo “namorada tem de ligar para o namorado”. Sempre fui tão focada na carreira, que passo uma falsa imagem de autossuficiência emocional. Como se os namorados não fossem necessários. O que não é verdade! É que fui criada para ser superindependente. Sou filha única. Acredita que aos 13 anos descobri que meus pais eram desquitados? Pirei. Eles casaram, depois acharam que papel não tinha nada a ver e se desquitaram, mas continuaram casados.

MC – E você, casaria de novo?

GG – Cheguei a pensar no assunto com o Stephen (Bocskay), meu último namorado, um professor americano. Mas ele foi chamado para lecionar em Harvard. A distância pesou e, depois de dois anos juntos, nos separamos em 2012. Stephen era quase dez anos mais novo que eu, mas geralmente prefiro os mais velhos. Imagino que eles vão me ensinar alguma coisa.

MC – O que aprendeu com o Otávio Frias, diretor da Folha de São Paulo, com quem namorou nos anos 80?

GG – O lado lúdico do amor e do sexo. Porque eu sou dramática (risos)! E com ele, vi que quando há confiança e entrega, a intimidade pode ser leve, divertida. Namoramos quase cinco anos, foi minha relação mais longa. Nunca imaginei, porque eu tinha birra da Folha e o achei arrogante quando a Beth (Coelho, atriz), que namorava o irmão dele, o Luiz, nos apresentou. Sua inteligência me seduziu, somos amigos até hoje. Antes, eu tinha namorado o Axel, um médico alemão. Mas o Otávio é o homem que mais me conhece. Às vezes, eu brinco que devia ter casado com ele.

MC – E o Pedro Bial?

GG – Ah, eu não quero mais falar sobre isso. Já falei demais, não há novidades. Nossa história está até no Google! Você coloca o meu nome e o dele vem junto.

MC – O casamento durou três anos e a separação foi litigiosa, mas, recentemente, ele disse que você é uma atriz excepcional. Como recebeu o elogio?

GG – Telefonei para ele e agradeci. De certo modo, isso põe um ponto final nessa história, pois toda vez me perguntam dela, já que nossa separação foi pública e teve a questão da guarda do Theo. Hoje, é um garotão de 15 anos, está ótimo, é o que importa.

MC – Em 1998, circulou o boato de que Bial teve um caso com Suzana Werner na Copa do Mundo. Nessa mesma entrevista de 2003 à Marie Claire, você afirmou que sabia do boato, mas que ele negou e isso não afetou a relação de vocês. Afinal, por que se separaram?

GG – Não teve um fato objetivo, como uma briga ou uma infidelidade. Não foi porque a gente parou de se gostar. Aconteceram muitas coisas externas, circunstâncias de vida mesmo e que eu, ou nós dois, não tivemos maturidade para lidar. Nunca conseguimos falar sobre a nossa separação, talvez por isso tenha demorado tanto para finalizá-la.

MC – O que a fez mudar para Nova York em seguida?

GG – Eu tinha um apartamento lá. Não entro em detalhes porque essa história não é só minha. Quero preservar o Theo.

MC – Na época, disseram que você teve depressão. É verdade?

GG – Não, eu não tive depressão nem tenho segredos a ocultar.

MC – A guarda hoje, é sua?

GG – Sim, a guarda é minha, mas o pai tem o direito a uma visita maior, não  é só fim de semana. Eles convivem muito e hoje nossa relação está elegante. Então é melhor não mexer.

MC – Quando fala de períodos difíceis, muitos associam à sua separação, mas você enfrentou a morte de sua mãe. Como lidou com essa perda?

GG – A herança espiritual que recebi dos meus pais foi fundamental nessa hora. Ela teve um tumor no cérebro, foi diagnosticada em 2004, morreu em 2007. Deu tempo de fazer tudo o que queria. Até passear no Playcenter em São Paulo, com um bando de amigos, ela na cadeira de rodas, todos com máscaras de Halloween, assim ninguém me reconhecia. Minha mãe morreu em paz e essa experiência produziu muitos insights, não só sobre a morte, mas sobre a vida, a natureza das coisas. Depois disso, procurei o mestre indiano dela, que vem ao Brasil regularmente. A mamãe era uma jesuíta! Catequizou toda minha família, meus tios e primos, com a meditação. Só não sei como vou entrar nos Estados Unidos com as cinzas dela – que ainda estão no sítio, pois ela pediu que eu procurasse o Mr. Kai, um japonês amigo dela que tem um veleiro, e as jogasse embaixo da Brooklin Bridge. Essa era a mamãe.

MC – Você é religiosa?

GG – Não, acredito no mistério. Assumi como meu mestre o de minha mãe, Prem Rawat, com quem aprendi técnicas de meditação. Nem sempre tenho a disciplina necessária, mas hoje já sei o caminho.

MC – Aos 26 anos, você disse que não temia envelhecer. Seu medo era que a idade trouxesse rancor ou arrependimentos. Aos 46, tem algum?

GG – Nossa, disse isso? Era mais brilhante, vinte anos depois, perdi alguns neurônios! Admiro quem diz em entrevistas que não se arrepende de nada e que faria tudo igual. Não faria nada igual! Mas acho que, com relação ao que eu gostaria de mudar e não posso, tenho oque me perdoar. E é para isso que serve a análise, os amigos, o amor, a arte... para seguir em frente!

MC – Você está, literalmente, mais leve. Fez dieta?

GG – Procurei uma endocrinologista, fiz check-up, entrei no pilates e  fui para um SPA. Precisava acelerar meu metabolismo.

MC – Isso é uma tese de saúde! Por que não assume que é vaidosa e gosta de ficar bonita?

GG –  Eu e minhas amigas de escola dizíamos que seduziríamos pela inteligência, ou então, por ser verdadeiramente o que éramos. A gente achava que usar a beleza como artimanha de sedução era jogo baixo e que um cara que caísse nessa só podia ser um babaca, um completo imbecil. Mas... parece que esse papo era furado. Uma dessas amigas hoje é filósofa, diretora de universidade. Eu estava saindo com um cara interessante e a gente só conversava, não rolava nada. Aí ela me disse: “Esquece tudo o que a gente aprendeu! Bota o vestido preto e o batom e pronto. É fácil!”. E não é que deu certo? Mas se ser vaidosa é ir ao cabeleireiro e se maquiar, não sou. Passo o dia maquiada, depois quero lavar o rosto! Mas adoro me cuidar, emagreci uns dez quilos e me sinto bem. É muito cedo para eu ficar com cara de matrona.

MC – O que a sua beleza tem a ver com a sua emoção?

GG – Geralmente, emagreço quando estou feliz. Sob estresse forte, sem condições de fazer muita ginástica, inflo. Retenho água, menstruação, sentimento... tudo. Viro uma bacia de contenção. Mas o meu momento agora é outro.

MC – Qual é o seu momento hoje?

GG – Estou livre! Graças a Deus não tenho mais de me justificar.

MC – Você teve? Refere-se ao litígio da separação?

GG – Claro, enfrentei um processo judicial em que fui questionada na minha condição de mãe. O que estava em jogo não era a competência profissional, era a minha pessoa. Não cometi crime algum, mas estava sendo julgada. Não só pelo juiz, mas pela sociedade. Logo depois, minha mãe adoeceu. Foram períodos duros, mas passaram. E agora minha energia voltou inteira para mim (Ela se emociona e fica com os olhos marejados). Retornei à minha fonte e ela continua límpida. Tudo pode fluir de novo, não tenho que prestar contas para ninguém. E eu sou como minha avó, um cavalo de fogo!

MC – O que significa isso? É horóscopo chinês?

GG – Isso mesmo. Uma loucura, mas eu me identifico com esses símbolos. Aprendi com Antunes que quando a história parece quase pronta, você pode desmontar o cenário e recomeçar do zero. Na minha vida, montei e desmontei muitos cenários. Isso é um cavalo de fogo. Ninguém segura. É capaz de largar tudo por uma paixão, não tem medo nem de criar nem de arrebentar as estruturas. Durante um tempo, esse cavalo foi colocado num bridão. Mas de repente, ele quebra o muro e sai galopando. Agora é comigo.

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