A HORA DO JOVEM TALENTO

15/02/1989 22:34

Giulia Gam, a mais completa atriz surgida no país nos últimos tempos, vive Aline em Que Rei Sou Eu?

As 7 da noite desta segunda-feira, os telespectadores serão capturados por uma máquina do tempo e transportados para a época das lutas de capa e espada, dos duelos e dos motins, dos nobres de perucas e rostos empoados e dos campos que conspiram contra a monarquia.

Esses cenários e personagens formam o pano de fundo da novela Que Rei Sou Eu?, da Rede Globo, uma sátira de época ambientada numa cidade imaginária da Europa do século XVIII, Avilan, e que pretende rechear de aventura e fantasia a sucessora de Bebê a Bordo no horário. Desde o primeiro capítulo, o público concentrará os olhares num personagem - a esperta, endiabrada, imprevisível e romântica Aline.

Aline está longe de ser a mais bela ou elegante das mulheres de Avilan. Ela se veste com roupas simples, não freqüenta a corte e, quando quer comprar briga, pega no florete com o desembaraço de uma espadachim. Aline é a cozinheira do castelo real, uma camponesa a quem a vida pouco reservou. Mas há algo de muito especial em Aline. Ela é interpretada por Giulia Gam, a atriz bochechuda e graciosa de 22 anos que se tomou a grande sensação da dramaturgia da televisão nos últimos tempos. Com duas aparições-relâmpago no vídeo, nos dezesseis capítulos iniciais da novela Mandala, como a doce Jocastinha, e na minissérie O Primo Basílio, em que viveu a atormentada Luísa, Giulia pegou o público e os colegas de surpresa. Poucas vezes se viu uma atriz tão jovem exibir um talento tão completo para a arte de representar. Agora, pela primeira vez, Giulia permanece no vídeo ao longo de uma novela inteira. ''Ela tem uma interiorização de intérprete extremamente concentrada e rara para uma jovem'', observa a atriz Fernanda Montenegro. ''Ela foi a dona do papel de Aline desde o primeiro momento, nem cogitamos outro nome'', diz Jorge Fernando, diretor de Que Rei Sou Eu?, que escolheu o elenco da, novela, juntamente com seu autor, Cassiano Gabus Mendes.

"DANE-SE'' - A volta de Giulia Gam, ao vídeo é um acontecimento, mas não apenas por seus estrondosos êxitos anteriores. Mais que isso, com seu comportamento dentro e fora de cena, Giulia consagra um novo tipo entre as atrizes brasileiras de televisão, alguém que introduz - finalmente - um perfil diferenciado nesse reino de personalidades inchadas e talento rarefeito. Giulia não tem nada da empáfia e da petulância das divas consagradas e, igualmente, é completamente diferente dessas moçoilas de rostinho bonito que passeiam pelas novelas da Globo tentando convencer a si mesmas e ao público de que são atrizes. Embora seja dona de enorme talento, ela não veste a máscara de afetação que costuma fazer parte do guarda-roupa das grandes atrizes. Sua pouca idade e a intensidade dos aplausos que ganhou até agora a tornam destinatária natural do título de atriz revelação. Giulia não tem cérebro de atriz revelação, Sua turma não é a das estrelinhas lançadas a intervalos regulares pelas novelas, cujo destino é desaparecer ou alimentar-se de ocasionais brilharecos. Giulia exibe a marca das estrelas de personalidade. ''Ela tem uma qualidade fundamental aos bons atores: além de representar bem, é inteligente'', observa o ator Gianfrancesco Guanieri, o rei Petrus II da nova novela das 7.

Embora brilhe no vídeo, Giulia não faz parte do grupo de artistas que, nos últimos anos, afirmou na dramaturgia nacional uma nova casta - a dos atores de televisão. Atrizes como Glória Pires, por exemplo, aprenderam a representar diante das câmaras de televisão e hoje são capazes de grandes desempenhos diante delas. Giulia forma entre os atores que aprenderam seu ofício nos palcos de teatro. Antes de chegar à TV, fez parte da companhia do diretor paulista Antunes Filho, em que atuou em peças como Macunaíma e Romeu e Júlia, e contracenou com Fernanda Montenegro numa bem-sucedida montagem de Fedra, de Racine. Ela admite que a televisão pode formar bons atores, mas considera fundamental para sua carreira a experiência nos palcos e avalia que a formação de televisão apresenta grandes riscos. ''Instituiu-se nas gravações de novelas a mania do 'dane-se''', analisa. "Na correria das gravações, muitas vezes o ator não consegue fazer a cena bem, e a ordem que corre no estúdio é: dane-se, agora vai assim mesmo. Isso para o ator significa desaprender.'' Numa produção corrida, de ritmo brutal, como é o das novelas, o artifício do ''dane-se'' serve tanto para arrasar atores de verdade (como Paulo Autran, que jurou nunca mais voltar à televisão) como dar projeção a nulidades dramatúrgicas (ninguém pode admitir, a sério, que Ísis de Oliveira, por exemplo, seja uma atriz). Para não ser moída numa novela, a atriz tem de ter uma boa dose de teoria e carisma. Giulia tem ambas as virtudes.

 

KART NA PRAIA - Não foi fácil para Giulia Gam voltar à televisão para viver Aline. Muitos telespectadores, ao verem os artistas atuarem em novelas e minisséries, mesmo em papéis dramáticos, avaliam que atuar é uma atividade sobretudo divertida, em que se brinca de agir como outra pessoa. Não para Giulia. Encarnar a Luísa de O Primo Basílio foi para ela uma experiência traumática, da qual levou muito tempo para se recuperar, "Construir aquele personagem me deixou arrasada", ela conta. "Quando terminou as gravações, estava em frangalhos, minha pele estava seca e acabei procurando um médico, que diagnosticou estafa.'' Nos oito meses seguintes, Giulia recusou trabalhos para empreender um mergulho em seu próprio mundo - a casa, os amigos, as ideias. Chegou a considerar a possibilidade de abandonar a profissão de atriz para estudar Medicina, um sonho de infância interrompido quando ela trocou o vestibular pelos palcos.

Ao final dos oito meses de reclusão, embora tenha aceitado com entusiasmo o convite para voltar à televisão e integrar o elenco de Que Rei Sou Eu?, Giulia sentiu também uma comichão para voltar aos palcos. Recebeu um convite, que classifica de ''salvador", para protagonizar o novo espetáculo da paulista Bia Lessa, diretora de montagens experimentais de boa repercussão, como Exercício nº 1, apresentado em 1987. A peça, que Bia prefere classificar de ''evento'', batizada de A Cena da Origem, será baseada na tradução do Gênese bíblico feita pelo escritor e poeta Haroldo de Campos, que utiliza basicamente a sonoridade das palavras hebraicas do texto original. A trilha sonora será do músico de vanguarda Lívio Tragtenberg, o espetáculo será apresentado por apenas cinco vezes num teatro de São Paulo, em março, e Giulia será a única atriz em cena. A atriz é capaz desses desafios paradoxais: entrar na máquina de moer carne, o ''dane-se'' das novelas da Globo, ao mesmo tempo envolver-se com o trio culturalmente ultra-sofisticado de Bia Lessa, Haroldo de Campos e Lívio Tragtenberg. É algo como tentar ler Kant na praia. ''A Giulia tem uma noção muito clara do ofício de ator", diz Bia. "Em O Primo Basílio, ela parecia ter ao mesmo tempo 18 e 40 anos."

PAPEL DE TIETE - A observação de Bia Lessa fornece a chave para que se entenda quem é afinal Giulia Gam e o que há por trás do furacão que estremeceu os palcos e as novelas. Não é apenas em O Primo Basílio que Giulia parece ter duas idades. Na vida real, convivem nela a atabalhoada e graciosa jovem de 22 anos e a atriz precocemente amadurecida, segura de seus recursos técnicos. A primeira nasceu em Perugia, na Itália - onde seu pai, o engenheiro José Carlos Gam, morou por dois anos -, e foi criada em São Paulo. A segunda é fruto de uma personalidade, sobretudo, obstinada, que não sossega enquanto não vê um objetivo realizado e sempre cria novas metas a atingir.

Giulia nasceu como atriz em 1982 no Grupo de Teatro Macunaíma, dirigido por Antunes Filho. ''Quando ela queria aprender alguma coisa, era tão persistente que às vezes se tornava chata'', lembrava Antunes Filho quando sua ex-discípula decolou para o sucesso. Depois que deixou o Grupo de Teatro Macunaíma, em 1985, Giulia cismou que seu próximo meio de aperfeiçoamento profissional seria encontrar-se com Peter Brook, o célebre diretor inglês. Investiu tudo o que havia economizado e mais uma ajuda paterna, em repetidas viagens à Europa. ''Fiz mesmo papel de tiete'', ela recorda. Afinal, encontrou-se com o ídolo, com quem manteve um diálogo em que ouviu muito mais do que falou, e que ela reputa valiosíssimo para sua formação. De quebra, fez um estágio com o ator Yoshi Oida, do grupo de Brook.

Antes de passar pelo grupo de Antunes Filho, a experiência dramática de Giulia se limitava a um curso de dança e expressão corporal com Klaus Vianna, na adolescência. Com Antunes, ela aprendeu a dominar o palco, ouviu muitos conselhos, alguns pouco ortodoxos - como o de que um ator não deve ter um emprego que lhe dê estabilidade financeira, sob pena de se acomodar -, e aprendeu, sobretudo, a domar um personagem até que ele tome vida própria. ''Nós chegávamos a ensaiar dois anos antes de estrear uma peça, pesquisando os personagens e trabalhando o corpo", recorda-se a atriz Tássia Camargo, colega de Giulia na companhia de Antunes Filho. ''A Giulia herdou muito bem essa seriedade no trabalho teatral.''

ACROBACIAS - Hoje, a determinação de Giulia Gam se expressa na forma obsessiva com que ela desenvolve cada personagem que interpreta, a ponto de a Luísa de O Primo Basílio ter lhe levado à estafa. ''Na televisão há uma tendência de só se decorar o papel e não se investir no personagem", reflete. Durante os ensaios de O Primo Basílio, a Globo solicitou para Giulia os serviços da fonoaudióloga Glorinha Beutenmuller, que a submeteu a uma técnica que prepara os atores para rir, chorar e gritar em cena sem que depois fiquem roucos. Há semanas, sem qualquer orientação da Globo, Giulia procurou a fonoaudióloga para sessões particulares. Seu objetivo: corrigir o sotaque paulistano que havia readquirido durante os meses em que esteve parada, e que poderia prejudicá-la nas gravações de Que Rei Sou Eu?. ''Ela é perfeccionista e disciplinada'', diz Glorinha.

Para viver Aline, Giulia não precisou aprender esgrima como alguns atores do elenco da novela - ela praticou esse esporte durante dez anos, entre a infância e a adolescência, e chegou a competir em torneios. Como a Globo colocasse à disposição dos atores também aulas de acrobacias, ela não pestanejou: tomou-se uma das alunas mais aplicadas, ensaiando piruetas que lhe auxiliam a corrigir o personagem. ''Só não consegui chegar ao estágio do Stênio Garcia, que, com o curso, parece ter saído do circo'', ela brinca. Cassiano Gabus Mendes aponta uma passagem que ilustra o perfeccionismo de Giulia. "Quando a convidamos para o papel, ela fez questão de vir a minha casa para discutirmos sobre sua personagem e sobre o projeto da novela", conta Cassiano. "É uma grande atriz e acho que seu personagem poderá crescer numa proporção que eu nem imaginaria. "

AIDS - Fora das câmaras e dos refletores, é difícil reconhecer em Giulia Gam a atriz de sucesso. Muitas de suas colegas, sejam elas artistas de muito talento ou vagas promessas, fazem questão de vestir-se com seus próprios personagens o tempo todo. Giulia, nesse sentido, é pura naturalidade. ''Ela faz gozação do sucesso que conquista, não se deslumbra e acho que jamais se deslumbraria", diz o ator Marcelo Tass, amigo de Giulia há anos e responsável por sua introdução no mundo da publicidade. Foi através da produtora independente de vídeo Olhar Eletrônico, de Tass e seu sócio Fernando Meirelles, que Giulia estrelou oito comerciais para a companhia telefônica de São Paulo, em que aparecia com hilariante ar ingênuo e atrapalhado. ''A Giulia é uma pimenta ardida atrás de uma face de culta, educada e inteligente'', diz Tass. ''Ela tem muita força e determinação, e é extremamente observadora.''

Diante de Giulia Gam, a impressão que se tem é a de uma jovem disposta a abraçar o mundo o mais rápido possível, embora disfarce essa intenção com uma sobriedade que lhe é absolutamente natural. Olhar irrequieto, gestos comedidos mas expressivos, ela não demora mais que urna fração de segundo para refletir sobre uma questão sobre a qual tem dúvidas e construir uma resposta na ponta da língua. A resposta vem invariavelmente acompanhada de um sorriso de vitória, de satisfação de quem se sente um pouco mais sabido e próximo dos mistérios que devem ser desvendados. Ao contrário de muitos artistas, Giulia pensa, e um dos temas favoritos de suas reflexões são os caminhos de sua geração e a herança que ela recebeu do passado. Ela não reza pela cartilha, tão difundida nos corredores da Globo, de que uma atriz tem que ''transar a emoção'', ''estabelecer um laço com o público'' e outras tolices do gênero, como se interpretar não fosse um trabalho que requer inteligência.

"Minha geração está dividida, amortecida, porque a História nos foi muito mal contada'', avalia. ''Fatos como a renúncia de Jânio Quadros, a Revolução de 64 ou a Coluna Prestes nos foram relatados como historinhas do passado, historinhas que, pelo que elas contêm de insólito, tomavam-se humorísticas, parte do Brasil no samba, em que tudo era meio nonsense. Hoje, que a situação está patética, elas já não parecem tão divertidas, e a realidade aflora para nós de maneira cruel.'' Outra de suas preocupações com relação a sua geração é o namoro em tempo de Aids. "Liberalidade não é novidade para nós e, depois da Aids, acho que nada mais nos assusta nesse terreno'', ela diz.''Mas sinto que, pelo menos não há mais namoros, apenas casamentos, que geralmente não duram, mas que são sinceros, amparados numa honesta troca de experiências e de desejo de auxílio mútuo.

PAIXÃO - Embora desde o início da carreira Giulia tenha passado longos períodos fora de casa, em turnês com espetáculos, só há oito meses ela pela primeira vez alugou um apartamento, no bairro paulistano do Itaim. Com o corre-corre da vida profissional, ainda não conseguiu organizar a mudança. Na casa de seus pais, no bairro dos Jardins, ela mantém ainda seu quarto, com as fotos e recordações de infância. No dia-a-dia, longe da vida profissional, Giulia se diverte como qualquer jovem, mas ressente-se da falta de tempo para acompanhar melhor a vida cultural. ''Meus conhecimentos são muito fragmentados, sempre li e ouvi com sentido utilitário, visando ao trabalho, e só agora estou conseguindo mudar isso."

Para efetuar essa mudança, Giulia tem se aproximado da literatura. Nas férias, mergulhou na História da Civilização, do historiador inglês Arnold Toynbee, e nas peças Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams, e Marat-Sade, de Peter Brook. Só não lê livros que estão na moda. ''Estou emendando as informações que já tive, assumindo minha postura autodidata'', informa. Na música, suas preferências atuais são a cantora Marisa Monte (''Ela cria personagens em suas cancões'') e o conjunto irlandês de rock U2, em cuja música Angel of Harlem, do LP Rattle and Hum, diz recolher inspiração para compor a Aline de Que Rei Sou Eu?

Lazer, para Giulia, é uma palavra com diferentes significados em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em São Paulo sua principal diversão é jantar fora. Durante dois anos ela seguiu uma rígida dieta vegetariana. Hoje seu cardápio gira em torno das carnes brancas e saladas. Quando tem apetite põe algo diferente, procura as cozinhas japonesa e indiana. Em São Paulo ela pilota também seu automóvel Voyage. No Rio de Janeiro, onde não se arrisca a dirigir (''O trânsito é rápido demais''), Giulia prefere as longas caminhadas a pé e, raramente, a praia. Dançar é uma de suas diversões favoritas, mas sempre em festas. ''Acho boate uma coisa meio estranha'', diz vagamente.

"BICHO SOLITÁRIO" - Giulia tem percorrido novos caminhos também no coração. Há oito meses ela namora o guitarrista do grupo de rock Titãs, Tony Bellotto. Durante as férias que tirou depois de O Primo Basílio, ela foi a Salvador e aproveitou para assistir a uma apresentação do conjunto, que passava pela cidade.

Depois do show, foi aos camarins conhecer e cumprimentar os músicos. No dia seguinte, os Titãs prosseguiram sua turnê, mas Giulia e Tony permaneceram em Salvador curtindo uma paixão à primeira vista. ''A principal característica de Giulia é o empenho para o trabalho e para tudo na vida'', avalia o guitarrista.

Giulia atualmente vive mais do que nunca na ponte aérea entre Rio de Janeiro e São Paulo, dividindo-se entre as gravações de Que Rei Sou Eu? e os ensaios do espetáculo de Bia Lessa. Embora seja uma vida cansativa, ela lhe traz a compensação de estar ao mesmo tempo na televisão e no palco. "Não dá para vestir apenas a camisa da Rede Globo - ela é de um modelo muito grande", diz Giulia. ''É preciso contrabalançá-la com um outro figurino, o do palco.'' Giulia avalia que no teatro, muito mais do que na televisão, o êxito de um espetáculo depende da integração entre os atores. Ela constata que em algumas novelas o ator fica conhecido pelo nome do personagem e em outras o público se refere a ele pelo seu nome de verdade. ''A Regina Duarte de Roque Santeiro era para todos os telespectadores a viúva Porcina, enquanto em Vale Tudo era mais comum ouvir referências a seu personagem sob o nome da própria Regina.'' ''Televisão confunde um pouco, a gente nunca sabe se quem está fazendo sucesso é o personagem ou a atriz", concorda Fernanda Torres, uma atriz de talento da mesma geração de Giulia.

Em sua busca de aperfeiçoamento, Giulia Gam tem se dedicado a desenvolver novas técnicas de composição de personagens. Escolada na técnica tradicional de se exercitar no aprofundamento psicológico do personagem até conhecê-lo de corpo e alma, ela tem desenvolvido outros métodos, baseados na intuição, para chegar ao mesmo resultado. ''O ator é um muito solitário, e ele é autodidata e por isso mesmo não pode relaxar, sob pena de não se desenvolver no ofício'', diz.

 

FLAUTA - A vitória de Giulia Gam prova que a discussão entre os que acham que só o palco forma atores e os que defendem que eles podem surgir na televisão pertence à esfera das questões inconclusivas e bizantinas. E natural que o teatro, pela relação direta com o público, puxe pelo ator e desenvolva sua capacidade de interpretação. Já a televisão oferece os recursos técnicos e uma linguagem totalmente diversa do teatro. Quaisquer que sejam os argumentos que se use para defender uma das partes, eles sempre esbarrarão numa evidência simples: a de que existem atores de talento, outros que erram na escolha profissional e um terceiro grupo formado por aqueles cuja vocação excepcional para a arte dramática aflora em qualquer situação.

Muitos atores tarimbados de teatro veem sua competência desaparecer diante das câmaras, assim como muitos atores que jamais pisaram num palco protagonizam novelas com eficiência. Giulia pertence à categoria dos que arrancam aplausos em qualquer espaço que se lhes dê para representar. Há que se considerar que sua formação passa pela batuta de Antunes Filho. Não se deve desprezar o fato de que Giulia, desde pequena, mostrava pendores artísticos, seja na música - até hoje toca flauta transversa com desembaraço -, seja no teatro. Nada disso contribuiria para sua formação de atriz, no entanto, se ela não desenvolvesse uma explosiva combinação de talento inato e uma formidável perseverança em chegar ao topo da carreira à custa de muito trabalho, dedicação e busca de aperfeiçoamento.

''Fiquei surpresa quando Giulia me procurou no início das gravações da novela, sem nunca termos nos visto antes, para discutir qual o tipo de gestualização que deveria ser usado numa história ambientada no século XVIII", conta a atriz Ítala Nandi, que participa do elenco de Que Rei Sou Eu?. ''Ela está sempre demonstrando que não tem vergonha de aprender." Num país em que a maioria dos artistas são autodidatas, Giulia parece ter alcançado um equilíbrio perfeito entre técnica e intuição, entre o que deve ser aprendido e o que aflora naturalmente da sensibilidade. É justamente esse equilíbrio que ela tem demonstrado em suas atuações no palco e na televisão. Bonita, charmosa, talentosa e sem afetações, ela já pertence ao primeiro time das atrizes brasileiras. Agora, marcha célere para se tomar uma estrela de primeira grandeza.

 

Jornal/Revista: VEJA

Arquivo Pessoal: Edson William