A magia do século XVIII em 1989 (Que Rei Sou Eu?)

12/02/1989 00:31

Há muitos e muitos anos, num distante país imaginário, um pequeno reino enfrenta sérias dificuldades financeiras. Em Avilan, o fausto da corte contrasta com a miséria do povo. Complicando um pouco mais a situação, o Rei Petrus II encontra-se seriamente doente e não há herdeiro para o trono. E um grupo de jovens idealistas liderados por Jean Pierre sabe que, se é ruim com Petrus, pior sem ele, pois, com sua morte, o poder vai para as mãos da Rainha, por trás de quem está o perigoso Ravengar. Neste ambiente de bruxos, nobres e pobres é que se passa a novela de Cassiano Gabus Mendes que estréia amanhã, na Globo, às 19 horas, com direção de Jorge Fernando.

Projeto antigo do autor, que desde 1983 tinha idéia de escrever uma aventura capa e espada para a televisão, “Que Rei Sou Eu?” é uma história romântica com tudo a que tem direito, além de ser a primeira novela de época de Cassiano Gabus Mendes.

Esta é a décima novela que escrevo para a Globo. Pensei numa história diferente, completamente nova para mim, fora do ambiente urbano. “Que Rei Sou Eu?” se passa em 1786 – três anos antes da Revolução Francesa que, por coincidência, completa seu 200º aniversário em 89, num país fictício, perdido na Europa, com todas as contradições tão conhecidas da gente, as injustiças, os desmandos. Mas vou fazer, realmente,  um grande folhetim, inspirado nos autores que li na minha juventude, como Alexandre Dumas.

Um folhetim que se preze não pode deixar de ter um bastardo. Jean Pierre (Edson Celulari), herdeiro do trono de Avilan, e a mãe que sumiu e depois aparece com outra identidade Lenore Gaillard (Aracy Balabanian), entre outras coisas. A presença da aventura é outro dado da história, com duelos, fugas, motins. E o romantismo fica por conta das princesas, reis, rainhas, a corte e suas intrigas palacianas. “Que Rei Sou Eu?” mescla tudo isso num clima de comédia de situação, que aparece nos diálogos em linguagem atual. É uma roupagem de época, se a preocupação de uma reconstituição histórica, segundo o autor.

Não faço um trabalho de pesquisa de época me prendendo a detalhes, justamente para o público entender perfeitamente o que vou dizer ali. As vezes o diálogo fica um pouco mais empolado em algumas cenas, mas o que me interessa é falar normalmente, como hoje. Quero que o público se fascine com o capa e espada, um gênero esquecido atualmente.

No início da história, Avilan está passando por um período de instabilidade financeira. A velha moeda, o caduco, foi substituída pelo duca, mil caducos valem um duca. Mas os problemas continuam os mesmo, os impostos subindo, o povo faminto e nenhuma providencia é tomada. Falar na miséria é uma das intenções de Cassiano.

Desde o começo da novela martelo isso. O único Conselheiro honesto é Bergeron Bouchet (Daniel Filho), sempre boicotado pelos outros. Quer tomar uma atitude em benefício do povo, mas não consegue adesão ao seu plano: congelar o preço de todos os alimentos. A euforia do povo é logo substituída pela falta de gêneros para compra. E Bergeron é condenado à guilhotina.

Entre os mistérios de Avilan, está o da guilhotina que não funciona, para o delírio da platéia. A cada condenação o equipamento é testado várias vezes. Só que, no momento exato, a lâmina feita com aço importado da Alemanha interrompe a sua trajetória. E, pelas leis do Reino, quando isso acontece o condenado deve ser libertado em praça pública imediatamente. Nessas situações é que se caracteriza o humor de Cassiano em “Que Rei Sou Eu?”. Mas sua preocupação básica é que a novela seja feita a sério, por mais absurda que possa ser a situação. Está  aí o segredo da história, segundo ele, e só assim dará o resultado pretendido.

Para a realização de “Que Rei Sou Eu?”, o reino de Avilan foi criado por Mario Monteiro e Alfredo Pereira e construída em Jacarepaguá, em 2,2 metros de área, abrangendo o palácio e a vila com 14 casas, onde se gravam as externas da novela. Depois de pesquisarem a técnica de construção da arquitetura normanda e medieval, os cenógrafos usaram a imaginação e projetaram a cidade. Diz Mario:

- Foi como se a gente tivesse se transportado para o século XVIII e criado Avilan com o mesmo sistema construtivo com que um arquiteto projetaria uma cidade naquela época, adequado as situações do texto, aos conceitos que o diretor Jorge Fernando criou em relação à mise-en-scène. A novela é uma comédia, mas tem um tratamento fantasioso e aparentemente sério. A cidade faz parte de um projeto de tornar definitivos esses cenários, permitindo alterações futuras para outros trabalhos. Ela é mais completa porque tem fachada nos quatro lados, base de concreto e pedra de verdade no lugar de fibra de vidro. A estrutura dos prédios foi calculada, já prevendo a reutilização. Pode desmanchar o revestimento, mas a estrutura é permanente, com módulos mais flexíveis.

A grande vedete do reino é, sem dúvida, o palácio real, com 30 metros de frente e uma torre de 26 metros de altura, equivalente a um prédio de oito andares. Construída com estrutura de ferro mais leve, ela foi armada em apenas uma semana, quando uma estrutura normal levaria cerca de um mês segundo Mario:

- Isso é uma novidade em termos de construção cenográfica. As estruturas não precisam ser calculadas como para um prédio normal.

E como  se vestiriam as pessoas de um país imaginário no século XVIII? Ao se fazer essa pergunta, o figurinista Marco Aurélio partiu para uma pesquisa inicial em livros. E descobriu que o principal era tentar dar uma leveza as roupas, o que só foi possível porque o texto não é rígido, preocupado com uma reconstituição da época:

- Procurei usar tecidos leves, com bom caimento, principalmente por causa da temperatura do Rio. E fiz uma composição de cor, para não ficar uma salada de frutas no vídeo.

Essa composição determinou uma cor para cada personagem nobre, sendo que os casais seguem a mesma cor – por exemplo, Madeleine e Bergeron, verde água; Lucy e Gerard, rosa; Lenore e François, lilás. Com os personagens pobres os tons usados são escuros, puxados para terra.

Um dos figurinos que Marco Aurélio mais gostou de criar foi o de Corcoran (Stênio Garcia), o líder dos mendigos, procurando traçar um paralelo entre ele e Ravengar (Antônio Abujamra), o Conselheiro Mor do reino:

-  O Corcoran tem uma coisa meio chapliniana quando se transforma no bobo da corte. Como o Ravengar tem um cabelo enorme, Corcoran tem a cabeça raspada. A capa de retalhos costurados de Ravengar, responde a de retalhos soltos de Corcoran. Em termos de criação, talvez tenha sido o mais difícil, mas foi o que mais deu certo.

Fonte: Jornal Zero Hora - Revista da Tevê

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