Em 'A Grande Arte', competência sem emoção

25/10/1991 13:41

O filme de Walter Salles Jr. Tem acabamento de primeira e imagens fortes da violência no País, mas tropeça em roteiro rarefeito e na baixa temperatura dramática

A expectativa em torno de A Grande Arte, filme de Walter Salles Jr. que entra hoje em cartaz, é saber se será capaz de quebrar o estigma de fracasso que marca o cinema brasileiro atual. O premiado Stelinha, de Miguel Faria Jr., e Dias Melhores Virão, do experiente Cacá Diegues, ficaram menos de uma semana nas telas. Assassinato Sob Duas Bandeiras, de Bruno Barreto, feito nos EUA, também não emplacou. Os produtores de A Grande Arte tomaram certas precauções, tentando evitar essa vala comum da cinematografia nacional. O filme é bem produzido, seu acabamento é de primeira, os atores são competentes e – last but not least – é falado em inglês. Some-se a isso um roteiro escrito por Rubem Fonseca, autor do livro em que se baseia o filme, e um lançamento cuidadoso e profissional. Com tudo isso, A Grande Arte tem chances de recuperar o investimento de US$ 5,2 milhões.

Para que A Grande Arte fosse um filme brasileiro com vocação internacional, algumas alterações foram introduzidas na história original. Peter Mandrake não é mais um advogado carioca de porta de cadeia, mas um fotógrafo norte-americano vivendo temporariamente no Rio. Interpretado por Peter Coyote, ele mora no bairro da Lapa e prepara um portfólio sobre o sub-mundo da zona de prostituição. É envolvido numa trama marginal quando uma prostituta, Gisela (Giulia Gam), é assassinada. O motivo do crime é a disputa por um disquete de computador com informações sobre as atividades da quadrilha. Quando Mandrake resolve investigar a morte da amiga, sua namorada é estuprada e ele, ferido pelos bandidos. Essas são as condições que levam à exposição do tema central: a vingança. Mandrake quer ferir com a mesma arma que o feriu – a faca. Para isso pede ajuda a um mestre em armas brancas, Hermes, vivido pelo francês Tchéky Karyo.

Em torno da trama policial, simplificada ao máximo no filme, se desenvolvem os vários subtemas que fazem o interesse maior de A Grande Arte. Um deles é uma panorâmica da violência social brasileira, registrada a partir dos primeiros planos – a câmera se movendo do rosto da mulher assassinada para a cidade, mostrada do alto com todos os seus contrastes. As imagens fortes continuam na filmagem de surfistas ferroviários arriscando a vida entre fios de alta-tensão. E também no aprendizado da arte das facas, que marcam a mudança de caráter do aprendiz. As cenas de lutas são interessantes, embora o excesso de coreografia acabe tirando parte do seu impacto.

Pena que essas virtudes não se traduzam em um filme de força. A rarefação excessiva do roteiro contribui para a fragilização de A Grande Arte. Não se entende bem por que razão aquele disquete era tão importante. Personagens como Lima Prado, de Raul Cortez, ficam sem espessura alguma. Preocupado com detalhes e virtuosismo técnico, Walter Salles Jr. cai na armadilha do esteticismo, deixando a emoção em plano secundário. O filme passa essa sensação de frieza. Num diretor que conta Wim Wenders e Antonioni entre os cineastas que o influenciaram, é normal a preocupação em baixar a temperatura da ação dramática. É uma opção, que poderia ser melhor dosada. Mas o que realmente destoa é um happy end abrupto e mal encaixado, concessão infeliz ao comercialismo.

Fonte: Estado de São Paulo

Arquivo: Nuno Bragança