O novelão de Giulia: ser ou não ser?

25/06/2003 19:50

A atriz Giulia Gam faz sucesso como a obsessiva Heloísa em Mulheres Apaixonadas. Mas longe da TV só interpreta papéis densos

 

A atriz Giulia Gam tem algo de Hamlet, o célebre personagem de Shakespeare: vive dividida entre ser ou não ser. No começo da carreira, inquietava-se: tinha ou não tinha talento para ser atriz? Com o sucesso, a dúvida mudou: devia ceder ao comercialismo da televisão ou manter-se fiel ao teatro? Mais tarde, quando seu casamento com o apresentador Pedro Bial terminou, sobreveio um novo dilema: devia assumir o papel de mãe do rebento Theo em tempo integral ou retomar a carreira? “Sempre tive muitos questionamentos. Mas isso me fez amadurecer e hoje estou em ótima fase”, diz Giulia, de 36 anos. A atriz, realmente voltou à cena com tudo. Na TV, faz sucesso como a ciumenta e obsessiva Heloísa, cujos arroubos garantem picos de audiência a Mulheres Apaixonadas. No teatro, é destaque de Os Sete Afluentes do Rio Ota, uma peça na linha papo-cabeça, em cartaz em São Paulo. A montagem tem cinco horas de duração e sete atos que dramatizam a trajetória da humanidade desde a bomba de Hiroshima até o surgimento da AIDS. Pois é, dá-lhe dramatização. Para interpretar uma cantora marcada por tragédias, Giulia dá vazão a um turbilhão de emoções e entoa Gershwin. É um papel denso bem a seu gosto – e o oposto das personagens folhetinescas que ela vive nas novelas.

Giulia é o rosto mais conhecido de uma categoria peculiar: a dos atores que, antes de chegar à televisão, construíram a carreira no teatro de vanguarda. Ela trabalhou com três diretores que são referência nesse meio: Antunes Filho, Gerald Thomas e José Celso Martinez Corrêa. Aos 15 anos, tão logo ingressou no grupo de Antunes Filho, passou por uma catequese sobre o papel de resistência e a função social do teatro. Assim se arraigaram as convicções que fariam Giulia passar por tantos conflitos quando as portas da TV se abriram para ela, no fim dos anos 80. “Embora atuasse em novelas, eu era contra a televisão, contra o aburguesamento do ator num esquema industrial. Só recentemente comecei a me livrar dessas ideias”,  conta ela. A atriz se recorda até hoje de uma reunião em que diretores globais tentavam convencê-la de que atuar no folhetim Que Rei Sou Eu? não era o fim do mundo. “Passei uma tarde inteira chorando, pois estava traindo o Antunes no grau mais profundo”, diz. Pois é, traição às vezes faz bem.

Para artistas como Giulia, atuar na televisão não é mesmo um paraíso. Mas dá dinheiro. “Com as peças, perco mais do que ganho”, reconhece ela. Giulia, por princípio, prefere não ser contratada fixa da Globo. Como atriz convidada, recebe cerca de 30 000 mensais para encarnar a tresloucada Heloísa. Para se ter uma ideia do seu amor pelo teatro, o que ela deverá faturar por toda a temporada de sua peça não chega a um mês desse salário. Giulia se dedica intensamente ao palco, mas nem sempre a crítica tem paciência com suas peças. Seu espetáculo anterior, uma adaptação da tragédia grega As Fenícias que recorria a acrobacias e capoeira, foi malhado sem dó por críticos como Barbara Heliodora, do jornal O Globo. “Barbara é muito conservadora com espetáculos de linguagem experimental”, retruca Giulia.

Como a maluca da novela (à esq.) e na peça em cartaz em São Paulo: a moça esfaqueia, mas também canta Gershwin

Dividida entre ser ou não ser uma estrela da TV, a atriz desenvolveu um mecanismo de autodefesa: depois de cada novela, mergulha numa produção teatral ainda mais cabeça para “expiar a culpa”. Não sequência de Que Rei Sou Eu?, trabalhou com o diretor Gerald Thomas na peça Fim de Jogo. “Foi uma experiência masoquista. Gerald me usava como exemplo de atriz bonitinha da TV que não entendia a linguagem do teatro dele – e eu não entendia mesmo”, relata Giulia. Vejamos o que diz o outro lado. “O fato de eu estar tendo, ao mesmo tempo, um caso com ela e com uma atriz do elenco tornou nossa relação conturbada”. Afirma Thomas. Giulia admite que “ficou” com o diretor duas ou três vezes. “Eu realmente tentei de tudo para entender o processo criativo do Gerald”, diverte-se. Isso é que é vanguarda: sem retaguarda e sem medo de ser feliz.

A atriz teve outros namorados famosos. Um deles foi o guitarrista Tony Bellotto, dos Titãs. Os dois acabaram se separando quando Bellotto conheceu sua atual mulher, Malu Mader. “Ela era minha amiga e roubou meu namorado”, reclama Giulia. Em 1996, iniciou um romance com o jornalista Pedro Bial. A relação terminou há 4 anos, e desde então ambos ficaram sob os holofotes em razão de uma disputa nos tribunais pela guarda do filho Theo. Em janeiro passado, a atriz obteve a guarda definitiva do garoto, hoje com 5 anos – a Justiça chegou a tirá-lo da mãe. Foi um período difícil, em que Giulia recorreu inclusive a antidepressivos. “Depois do nascimento do Theo, perdi a segurança. Senti-me só e sem amigos, abandonei minha carreira e vi meu casamento desmoronar”, conta ela. “As pessoas pensaram que tive depressão pós-parto, mas o correto é chamar esse processo de crise vital.”

A mãe da atriz, a psicóloga Daise Gam, tem presença evidentemente marcante em sua vida – e nesses momentos difíceis não foi diferente. Durante a crise conjugal, Daise chegou a registrar um boletim de ocorrência por ter sido supostamente agredida pelo genro Bial. “Ela quis me ajudar, mas não o fez da melhor forma”, diz Giulia. Quando a separação se consumou, a atriz foi para Nova York, onde se refugiou no apartamento da mãe. Em tempo: seu pai, um arquiteto de origem dinamarquesa, morreu em 1994. Giulia nasceu em Perugia, na Itália, onde ele fazia uma extensão universitária. Daí o nome italiano da atriz.

Para participar de Mulheres Apaixonadas, Giulia fez dieta para livrar-se dos 10 quilos que ganhara desde sua volta de Nova York. Ela diz que, a princípio, se assustou com a neurose de Heloísa. A personagem, vale recapitular, já esfaqueou o marido e sofreu um acidente causado por sua maluquice. Num capítulo exibido na semana passada, confessou às colegas do grupo Mulheres que Amam Demais Anônimas, o Mada, ter feito uma esterilização para não dividir as atenções do parceiro com um filho.  Giulia não se cansa de afirmar que os dramas de Heloísa, nada têm a ver com os seus. “Quando fui ao Mada, até perguntaram se era por causa dos meus problemas ou da novela”, diz. Brasileiro é um problema, adora confundir fato e ficção. “Mas que a Giulia é ciumenta, isso ela é. E bota um caminhão de ciúmes nisso”, brinca um de seus ex-namorados.

 

Fonte: Revista Veja

Arquivo Pessoal: Bia*

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