Olha que reino tão lindo, tão cheio de graça (Que Rei Sou Eu?)

03/09/1989 20:57

Superprodução global, uma novela de época para satirizar o Brasil dos dias de hoje, Que Rei Sou Eu?, está entrando em sua reta final. Não espere reviravoltas, pois Cassiano Gabus Mendes cumpre fielmente tudo o que já tinha traçado; desfechos felizes para os bons, muitas mortes para os vilões. Há uma certa ironia derradeira e uma última gozação, para esta novela que transcorreu tranqüila, mas também sem muitas novidades, além do aparato especial

Quando se assiste à tarde, no Vale a Pena Ver de Novo, Brega & Chique – uma história bem menos luxuosa do que a superprodução de Que Rei Sou Eu? -, pode-se descobrir um pouco do que faltou nesta novela das 19 horas, um sucesso de audiência, que, no entanto, não marcou a explosão esperada na trajetória de um autor voltado para o drama humorístico, e com um agudo e muito divertido senso de observação do cotidiano dos personagens, refletindo o próprio dia-a-dia dos telespectadores. Cassiano Gabus Mendes foi um dos primeiros autores a descobrir que nem só de dramalhão viviam as nossas telenovelas. Desde que começou, em Anjo Mau (quando Suzana Vieira era uma empregada ambiciosa que fazia de tudo para casar com o patrão), ele foi pouco a pouco deslanchando para o humor.

Brega & Chique, que o Canal 12 reapresenta à tarde, foi o seu auge em termos de humor. Ele conseguiu com esta produção o máximo de rendimento na transposição da história do papel para o vídeo-teipe, auxiliado, é claro, pela direção de Jorge Fernando e pelo elenco liderado por Marília Pêra e Glória Menezes. A novela partia de uma idéia simples mas muito divertida e foi ampliada lentamente para aquele toque de humor diário de sátira sobre o cotidiano, em que o autor é um mestre. Já Que Rei Sou Eu? partiu de uma premissa ambiciosa: uma novela de época que seria uma sátira ao Brasil contemporâneo, cheio de citações político-sociais, já a partir daquela divertida rainha Valentine, que Tereza Rachel tornou uma atração especial a cada capítulo.

Mas combinar o cotidiano e o vácuo que todas as novelas de Cassiano têm no meio, já foi uma tarefa mais difícil do que levar Montenegro (Marco Nanini) para os braços de Rafaela (Marília Pêra) no final de Brega & Chique. A ronda de participações especiais nesta fase final não escondeu a falta de assunto no reino todo, e pouco a pouco a história – e a própria sátira – começou a se tornar extremamente repetitiva. As novelas de Cassiano são montadas como um quebra-cabeças perfeito, em que tudo vai se encaixando. Não há novidades nesse ciclo, pois ele nem mesmo é influenciado pelo público. Ou seja; não pense que ele vai mudar alguma coisa do que já pensou antes para o final porque o público gostava mais daquele personagem ou outro.

Previsível

Há um esquema a ser traçado até o fim, e quem assiste à novela praticamente já sabe o que vai acontecer, mesmo sem ler jornais ou revistas que contam o fim antecipadamente. Falta um pouco de novidade, e o próprio autor, através de seus personagens, se encarregou de definir o principal triângulo romântico da novela, tirando qualquer possibilidade de suspense. Aline (Giulia Gam, meio ansiosa na fase final, mas boa no transcorrer da personagem), é claro, termina com o chatíssimo Jean Pierre (Edson Celulari, promovido a astro, sabe-se lá por quê) já que a sorte da não menos chata Suzanne Weber (Natália do Valle, completamente deslocada em cena) já estava traçada desde o primeiro capítulo, como previa o Mestre Ravengar (a grande revelação de Antonio Abujamra como ator de tevê).

Suzanne morre pra salvar seu amor, quando Vanoli (Jorge Dória, no de sempre) enfrenta Jean Pierre na última semana da novela. Ela pula na frente e recebe o tiro fatal, resolvendo, sem delongas, o clichê do triângulo romântico, que na verdade nunca funcionou muito e não foi o gancho da história. Aliás, faltou romance em cena. Ninguém torceria pela chata Suzanne em detrimento a Aline, nem por Valentine em lugar de Marieta Severo, embora tanto uma como a outra tivessem que explicar muito seu interesse em questão quando o galã era Daniel Filho, outro deslocado na figura de Bergeron Bouchet. Daniel não tem o carisma de galã que o personagem necessitava, assim como nem toda a força do talento de Marieta serviu para melhorar o didatismo de Madeleine de Bergeron; sabe-se lá por que o sobrenome dela, o único em cena, era o primeiro nome do marido, um erro que nunca ninguém se antenou em corrigir.

Melhor sorte teve o romance da princesa (Cláudia Abreu, muito bem em cena) com o enlouquecido Pichot (Tato Gabus, que é bom ator e filho do autor). Pichot morre no duelo final com Jean Pierre, e deixa uma mensagem de amor para o filho que a princesa espera dele. Agora, bem rápido, se você assistiu à novela: explique por que nunca Jean Pierre tirou Suzanne do palácio, quando ela vivia fora deste, se encontrando com o amante na floresta, e sempre armavam planos para ele ir lá no palácio buscá-la?

Gancho

A novela teve inúmeros acertos de humor, apesar de esticados ao infinito, como foi o caso dos conselheiros. Johnny Herbert como Bidet e Laerte Morrone como Gerard roubaram a cena. O gancho da impotência de Gerard encontrou resposta bem humorada na divertida atuação de Ísis de Oliveira, revelando-a não só como boa atriz, mas como comediante de mão cheia. Ela, assim como Tereza Rachel, foi um caso à parte na novela.

Se você tinha alguma dúvida de que era o Brasil que estava sendo satirizado em Avilan, no final das brumas todas Jean Pierre grita “Viva o Brasil!”. O autor deve ter ficado na dúvida, ou então suspeitou que talvez não tivessem entendido que Valentine seria Sarney ou Ravengar um Golbery. E quando a piada precisa ser explicada, há alguma coisa que não funciona, como se pode notar.

De qualquer modo, a novela acertou, como sempre, em outra atração especial das produções assinadas pelo autor: as mulheres. Em cena, esbanjando beleza e talento, Mila Moreira, a revelação de Vera Holtz, o humor de Carla Daniel, o charme veterano de Zilka Salaberry, entre outras. Na turma masculina, resta citar que Marcelo Picchi continua ruim como nunca e Paulo César Grande nunca esteve tão feio numa novela, como nesta. O gaúcho Marcos Breda, como Pim Pim, pode ganhar a palma de um dos personagens mais chatos em cena. O humor dele funcionou raramente na história, mais ou menos como a guilhotina do reino.

Fonte: Jornal Zero Hora - Revista da Tevê

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